Correio braziliense, n. 20436, 04/05/2019. Mundo, p. 12

 

Eleição argentina preocupa Planalto

Bernardo Bittar

04/05/2019

 

 

Favoritismo da ex-presidente Cristina Kirchner nas urnas argentinas incomoda o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Em evento do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ontem, Bolsonaro disse que tem “mais preocupação com a Argentina do que com a Venezuela”. “A Argentina é mais importante do que a Venezuela”, afirmou o presidente, ao comentar questionamentos sobre a possibilidade de o governo voltar para as mãos da candidata esquerdista.
Com tal declaração, Bolsonaro reproduz uma preocupação da cúpula militar com a possibilidade de retorno da esquerda ao comando do país vizinho, o que ajudaria a ampliar focos de tensão no continente e seria um reforço para Nicolás Maduro. O tema tem sido alvo de avaliação do Planalto, que manteve várias reuniões comandadas por Bolsonaro nos últimos dias. Mesmo com julgamento marcado e investigada em seis casos de corrupção, Cristina Kirchner lidera as pesquisas para a eleição presidencial de 27 de outubro. Ela aparece com 9 pontos de vantagem em um eventual segundo turno contra o atual presidente, Mauricio Macri, que enfrenta forte crise econômica. 
De acordo com um dos ministros que têm participado das discussões no centro do governo, caso Cristina vença as eleições, um foco de instabilidade retornaria à região. “O problema maior é a junção das situações da Venezuela e da Argentina. A possibilidade de a Cristina Kirchner, que está bem nas pesquisas, voltar a comandar o país, traz uma preocupação muito grande”, observou este ministro. A mesma fonte disse que “se houver país socialista no extremo sul e um país comunista, voltado ao narcotráfico, no extremo norte da América do Sul, vai ser um negócio muito complicado”. 
“Para o Brasil, isso é péssimo.” Se a dupla entre Kirchner e Maduro for resgatada, há um temor de que a onda conservadora que tomou conta da América Latina nos últimos anos, com abatimento da esquerda, sofra um revés. Para os militares, vizinhos como o boliviano Evo Morales se fortaleceriam com a volta da ex-presidente esquerdista. Para o pesquisador argentino Andrés Malamud, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, “as declarações de Jair Bolsonaro são diplomaticamente inapropriadas, mas, sobretudo, politicamente contraproducentes. Cristina Kirchner resulta favorecida ante personagens impopulares para a crítica”, disse ao Correio.