Título: Sinal de alerta diante das mudanças
Autor: Maia, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 17/09/2012, Cidades, p. 24

Embora as entidades reconheçam que há necessidade de atualizar o Código de Defesa dos clientes, especialistas temem que a votação no Congresso da modificação abra brechas para a ação de lobistas e ocorram retrocessosNotíciaGráfico

Os 30 milhões de novos consumidores no mercado brasileiro vindos das classes C e D e as mudanças na forma do consumo — como o surgimento do comércio eletrônico — levantaram a discussão da importância de atualizar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) frente às atuais demandas. Para elaborar as alterações na lei de 1990, foi formada uma comissão de juristas, e três projetos de leis chegaram ao Congresso Nacional, dispondo sobre superendividamento, das ações coletivas e das compras virtuais. A promessa do Legislativo é que, até o fim do ano, as alterações serão aprovadas pelo Senado.

Embora reconheçam que há uma lacuna jurídica em relação à oferta de crédito e ao comércio virtual, as entidades de proteção ao consumidor veem com preocupação modificações do CDC que poderão sair do Congresso. O Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) avaliam que o código é moderno, e que as diretrizes de compras a distância, as ações coletivas e o acesso responsável ao crédito estão contemplados na legislação em defesa do consumidor. "Não era preciso mexer no texto original do Código. O melhor seria criar legislações específicas para as novas demandas, como ocorreu com os planos de saúde. Poderia haver uma lei para o comércio eletrônico, por exemplo", explica Rosana Grinberg, presidente do FNECDC.

Outra angústia das entidades está relacionada à possibilidade de surgirem brechas, durante o processo de atualização do CDC, que levem a retrocessos provocados pela ação de grupos específicos que almejam fazer valer seus interesses. "As modificações foram propostas por juristas notórios. O risco está dentro do Congresso. Tememos o esfacelamento do Código porque sabemos que existem lobies atuando lá dentro. Veja no que se transformou o Código Florestal", argumenta Marilena Lazzarini, presidente do Conselho Diretor do Idec. Atualmente mais de 540 projetos de modificação do CDC tramitam no Senado. O relator da comissão, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), chegou a falar, durante a apresentação dos trabalhos na última terça-feira, que todos deveriam ser apreciados, o que aumentou a desconfiança de entidades de proteção do consumidor, já que existem documentos que enfraquecem o CDC.

Sem risco

Para tranquilizar as associações, o presidente da Comissão de Modernização do CDC no Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), afirmou que não há risco de retrocesso na legislação, e que todos os setores envolvidos serão ouvidos. Segundo ele, bancos, financeiras e provedores de internet pediram audiência pública com a comissão para discutir o tema. A Câmara do Comércio Eletrônico apresentou a mesma solicitação ao Senado. "O Congresso não pode ficar legislando em cima de problemas pontuais, e isso é o que está ocorrendo. Se aprovada, essa lei vai engessar o setor", defende Leonardo Palhares, vice-presidente da instituição.

A chefe da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, Juliana Pereira, avalia que o texto apresentado trata de pontos que precisam ser normatizados, e que a opinião de diferentes grupos na discussão faz parte da democracia. "Vamos respeitar o trabalho parlamentar, acompanhando com cuidado todas as modificações", afirma. O promotor de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e membro da comissão de juristas que elaborou os três projetos de lei em questão, Leonardo Bessa, acredita que a essência do texto enviado ao Senado deve ser mantida. "Para evitar surpresas, optamos por enviar uma lei que fosse consenso entre todas as partes. Trabalhamos um ano e meio na confecção do documento, fizemos diversas reuniões com empresas e associações. Por conta do superendividamento, nos reunimos três vezes com os bancos para não termos problemas futuros", explica.

O professor de direito da Universidade de Brasília e promotor do MPDFT Guilherme Fernandes aponta que a pouca participação das entidades representativas e dos institutos de defesa fez com que essas associações enxergassem com cautela os projetos apresentados. "Os Procons não foram consultados e a comissão que fez as leis é pequena. Depois de prontos, os Procons e as associações perceberam que a oportunidade de atualização está sendo desperdiçada, que não está resolvendo os problemas enfrentados no dia a dia", afirma.

Lacunas Especialistas afirmam que lacunas nos textos enviados ao Senado contribuem para a preocupação das entidades. O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil, José Vieira Alves, adianta que a entidade vai pedir audiência pública para sugerir emendas que não foram contempladas nos documentos, como os contratos por adesão, melhor esclarecimento do superendividamento e das ações coletivas. Para o professor da UnB Guilherme Fernandes, faltou especificações sobre as penalidades contra as empresas que descumprirem as normas e parâmetros para a adoção da contra-propaganda. Além disso, ele explica que a lei não permite o processo contra a pessoa física. "A pessoa vai criando empresas e essa instituição não tem patrimônio, o Procon não pode agir contra o dono da empresa, isso limita o trabalho".

Faturamento Somente no primeiro semestre de 2012, o comércio eletrônico faturou R$ 10,2 bilhões, o que significa 21% a mais do que o mesmo período do ano anterior. A estimativa do setor é de R$ 22,5 bilhões de faturamento este ano. Afinal, são 37, 6 milhões de e-consumidores, sendo que 5,6 milhões fizeram sua primeira compra on-line nos seis primeiros meses desse ano.