Correio braziliense, n. 20437, 05/05/2019. Política, p. 3

 

Negociar para reduzir danos

Gabriela Vinhal 

Alessandra Azevedo

05/05/2019

 

 

Reforma » Governo conta com maioria na Comissão Especial da PEC da Previdência, mas terá de convencer deputados a evitarem desidratação expressiva do texto. Principais pontos de discórdia são alterações no BPC e na aposentadoria rural

Com uma Comissão Especial escolhida a dedo, o governo considera praticamente certo que conseguirá os 25 votos necessários para que a reforma da Previdência seja aprovada na segunda etapa de tramitação na Câmara. Esse é o número de deputados que precisam apoiar o texto — se todos os 49 participarem da sessão — para que ele seja encaminhado a plenário. Ao menos 20 já estão fechados com o Planalto, de acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Outros 14 só vão aprovar o parecer do relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), se o parlamentar mudar pontos do texto original. Opositores convictos da reforma somam 10, até o momento — eles se posicionam inteiramente contra a proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019.

Entre os deputados que esperam ser atendidos para votar pelo relatório, está Darcísio Perondi (MDB-RS). Mesmo ele sendo um dos maiores defensores das mudanças no sistema previdenciário, a expectativa do Diap é de que siga a orientação do partido na votação, ou seja, não apoiaria o texto sem mudanças no que foi proposto para Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria rural e de professores. Essas demandas, anunciadas pela presidência nacional da legenda, também estão na lista de boa parte dos deputados do Centrão. Como PR e PP conseguiram posições estratégicas na comissão, principalmente com a presidência de Marcelo Ramos (PR-AM), eles tendem a avançar no debate e a fechar questão, se as demandas forem atendidas.

O Solidariedade seguirá o mesmo caminho — de acordo com o estudo —, apesar das declarações do presidente da sigla, Paulinho da Força (SP), de que o bloco estaria estudando uma reforma, com o objetivo de tentar evitar uma eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro. O partido é contrário ao Executivo na pauta trabalhista, mas o perfil dele é mais próximo ao do governo do que distante.

Peças importantes

Nos bastidores das negociações, alguns parlamentares são vistos como peças importantes na comissão. Caso de Paulo Ganime (RJ), que representa o partido Novo, um dos principais apoiadores do projeto. Próximo ao Planalto, ele é considerado um nome forte no grupo, enquanto o DEM, sigla do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), tem Arthur Maia (BA), que foi relator na Comissão Especial da reforma do então presidente Michel Temer.

Já entre as siglas condicionadas, estão Cidadania, PRB, Pros, MDB e PTB, que esperam um aceno do Planalto para firmar oficialmente um acordo e ajudar na tramitação do projeto na Casa. É como avalia o analista político Neuriberg Dias, do Diap. “A cada etapa que o colegiado cumpre, o tema fica mais popular. E o governo é mais pressionado pelos parlamentares, que são cobrados na base, pelos segmentos afetados”, justifica.

No jogo de obstrução dos oposicionistas, a principal estratégia — depois de indicar membros mais experientes, assim como fez na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) — é tentar diminuir o número de emendas protocoladas no colegiado para fazer com que a discussão no plenário da Câmara se alongue por mais tempo que o estimado pelo governo. “Não avançar em acordos garante mais demora de discussão de pontos estruturantes. Principalmente com a pressão de prefeitos e governadores, que pode ser contrária ao governo”, explica.

Segundo Dias, as indicações dos líderes partidários para a composição da comissão foram pensadas para viabilizar a aprovação do texto, mas também para pressionar o Executivo a alterar pontos que são unanimidade na Casa, como BPC e aposentadoria rural, motivo pelo qual há um grande número de congressistas ligados às atividades rurais de regiões específicas, como Sul, Norte e Nordeste.

“Toda comissão é definida a dedo, para não rejeitar o parecer. Por isso, escolheram os integrantes nesse nível regional, para atender a essas demandas. Muitos estarão à disposição do governo, não para suprimir os pontos principais, mas para buscar redações alternativas”, ressalta Dias. Na visão do analista, o governo deve insistir nisso e ir para a batalha no plenário da Câmara, com o objetivo de tentar manter o máximo possível do texto que saiu da comissão.

Impacto

Com texto mais enxuto, as expectativas de ganhos com a reforma também diminuem. O valor de R$ 1,2 trilhão que seria economizado em 10 anos, segundo o Ministério da Economia, deve ser reduzido de 40% a 50%, de acordo com cálculos do Diap. Da diminuição das despesas, 82% viriam das mudanças nas aposentadorias no setor privado e 18%, nos regimes dos servidores.

Para o cenário de 10 anos, de acordo com o Diap, as novas regras destinadas aos trabalhadores da iniciativa privada representariam uma economia de R$ 807,9 bilhões, dos quais, R$ 92,4 bilhões relativos às aposentadorias rurais. Já as mudanças no BPC poderiam gerar R$ 34,8 bilhões, o mesmo número divulgado pelo governo. O fim do abono salarial para quem ganha mais de um salário mínimo atingiria R$ 169,4 bilhões. No setor público, a União deixaria de gastar R$ 224,5 bilhões com as alterações das regras de aposentadoria.

Frase

“A cada etapa que o colegiado cumpre, o tema fica mais popular. E o governo é mais pressionado pelos parlamentares, que são cobrados na base, pelos segmentos afetados”

Neuriberg Dias, analista político do Diap

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Promessa de unir o Centrão

 

 

 

 

 

Rodolfo Costa

05/05/2019

 

 

 

O DEM e o PSDB estão segurando o governo em rédea curta com a promessa de tranquilizar o Centrão. Depois de o presidente do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força (SP), sugerir a possibilidade de desidratar a reforma da Previdência para não facilitar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, tucanos e demistas se articulam como os fiéis da balança para o Palácio do Planalto com o comprometimento de apaziguar os ânimos entre os principais partidos de centro, como PP, PR e PRB. Lideranças dessas legendas, entretanto, não se sentem confiantes com a costura feita e prometem endurecer o apoio.

Tanto PSDB como DEM são dois partidos que tentam se desvincular da imagem do Centrão. Ao mesmo tempo, porém, conseguem exercer poder junto às legendas do bloco político para votar pautas conjuntas. Orbitando junto aos dois estão o MDB e o PSD. São as únicas siglas, além do PSL, que dispõem de integrantes no primeiro e no segundo escalões de três ministérios estratégicos para o encaminhamento de demandas: Agricultura, Saúde e Cidadania, que reúnem as pastas de Esporte, Cultura e Desenvolvimento Social.

A influência de DEM, PSDB e PSD no governo de São Paulo, gerido pelo tucano João Doria, ecoa na Esplanada dos Ministérios e dá força para os três se posicionarem frente ao governo como fiadores que vão garantir uma reforma da Previdência mais próxima do que o Planalto enviou ao Congresso, e menos com a que sugeriu Paulinho da Força. Lideranças das três siglas, sobretudo os demistas e tucanos, analisam que vale mais a pena aprovar um texto robusto do que desidratado com o pensamento em 2022.

A leitura do DEM e do PSDB é de que, com a economia estagnada, os principais impactos sobre a atividade serão maiores somente a partir da próxima gestão. Ou seja, mesmo aprovando uma reforma próxima de R$ 1 trilhão, como almeja o governo, os efeitos mais positivos seriam notados somente em 2023. Até as próximas eleições, a tendência é de que ambos os partidos elevem o capital político, ampliando as estruturas partidárias nos estados com a aprovação da reforma tributária, em gestação pelas duas legendas, da qual o Democratas tenta ser o dono.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é quem se articula para ser o fiador do governo. Na quarta-feira, depois da polêmica levantada por Paulinho, tratou de tranquilizar o governo. Em entrevista ao Estadão, disse que trabalhará por uma economia de R$ 1 trilhão. A fala institucional, como presidente da Casa, começou a ecoar dentro do Democratas, do qual iniciaram conversas com o PSDB e, juntos, se mobilizaram para frear articulações mantidas na alta cúpula do Centrão para desidratar o texto.

Convencimento

A articulação capitaneada por Maia, no entanto, não convence lideranças de PP, PR e PRB. As cúpulas desses partidos notaram a interlocução feita por DEM e PSDB e temem ser isoladas na partilha de postos estratégicos em ministérios que podem vir a surgir com a reforma ministerial em análise pela própria Casa Civil. Sustentam que não farão esforços para convencer o baixo e o médio cleros, deixando a cargo dos demistas e tucanos fazerem a interlocução e a contagem de votos da reforma da Previdência nas bases.

O principal desafio de Maia e de interlocutores próximos é unir o Centrão. O bloco político está dividido, sobretudo por um movimento orquestrado pelas lideranças no Nordeste, que querem retirar os estados da reforma da Previdência. A região é dirigida majoritariamente por governadores da oposição. Por isso, comandam um movimento de retirada das unidades da Federação do texto, na Comissão Especial, pauta que desidrataria a matéria, reduzindo a economia estimada pelo governo. Demover a ideia desses dissidentes, no entanto, exigirá esforço.

Para manter os estados na reforma, o governo vai ter de mudar a articulação política e apadrinhar nomes indicados por deputados, principalmente no Nordeste. É aí que entra a participação de Maia, que mantém nos últimos dias um diálogo estreito com Bolsonaro. O presidente da Câmara precisará atuar para convencer o Planalto a mudar o diálogo com o parlamento. E terá de se articular junto aos interlocutores mais próximos para convencer a alta cúpula de PP, PR e PRB de que ocuparão cargos estratégicos na Esplanada em uma eventual reforma ministerial.