Correio braziliense, n. 20437, 05/05/2019. Brasil, p. 6
Reajuste nos planos de saúde pode mudar
Beatriz Roscoe
Gabriela Tunes
05/05/2019
Consumidor » Metodologia de preços foi pauta de audiência pública feita no fim de 2018 pela agência reguladora do setor, mas entidade que defende os segurados critica a falta de transparência nas mudanças que foram feitas
O método de cálculo dos reajustes de planos de saúde individuais pode mudar a partir deste mês. Os preços cobrados pelas operadoras foram tema de audiência pública no ano passado, após a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) se envolver em disputa judicial com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Para a entidade, a agência reguladora não adotava parâmetros corretos de correção no valor das mensalidades. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os preços subiram 10,29% no acumulado de 12 meses até março, enquanto a inflação registrou variação de 4,58% no mesmo período.
A nova metodologia foi estabelecida pela ANS no ano passado e deve entrar em vigor entre maio e junho. O reajuste só pode ser aplicado pelas operadoras a partir da data de aniversário de cada contrato. Segundo a agência, o novo Índice de Reajuste dos Planos Individuais (IRPI) costuma sair em maio ou junho, mas, para este ano, ainda não há data específica. A nova fórmula traz como benefícios a redução do tempo entre o período de cálculo e de aplicação do reajuste e a transferência da eficiência média das operadoras para os beneficiários, resultando na redução do índice de reajuste.
Mesmo assim, os consumidores ainda vêm as mudanças com desconfiança. Cleile Dias, de 46 anos, é usuária de um convênio, mas não estava sabendo da mudança no método de cálculo. “Eu espero que não aumente mais do que já aumentaria. Nós já ficamos restritos no plano, por exemplo, com relação a médicos que eu gostaria de ir, mas que meu plano não cobre. Preciso de exames, mas não cobre. Se aumentar muito o preço, com certeza irá pesar bastante no orçamento”, diz.
A dona de casa Janaína Marques, de 35 anos, também foi pega de surpresa com as alterações no método de reajuste: “O aumento sempre pesa no bolso”. O novo IRPI é resultado da combinação de dois outros indicadores: do Índice de Valor das Despesas Assistenciais (IVDA) e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), excluindo deste último o subitem “Plano de Saúde”. Na fórmula, o IVDA terá peso de 80% e o IPCA, de 20%. O IPCA é a medida oficial da inflação, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa incide sobre custos como despesas administrativas, por exemplo.
Simulações
De acordo com o professor de finanças da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Bolivar Godinho, as pessoas têm cada vez mais dificuldade para pagar seus planos de saúde e não sabem como é calculada a inflação médica. “A população não tem conhecimento de como é calculada e tem ficado acima do IPCA, então, a cada ano, as pessoas vão tendo mais dificuldade de pagar”, explica.
Para o professor, o reajuste afeta toda a população, principalmente aposentados que não possuem mais vínculo com empresas. “Estando aposentado, os custos aumentam e a pessoa vai sendo expulsa dos planos”, afirmou. Segundo Godinho, os planos precisam se preocupar em controlar seus custos e os usuários, em se conscientizar sobre o que é cobrado.
De acordo com a pesquisadora em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete, a ANS não fez uma discussão social adequada na audiência pública de 2018. Para ela, o órgão não permitiu uma transmissão de informações em linguagem acessível ao consumidor. “Do que adianta fazer uma audiência pública dizendo que ouviu o consumidor quando, na verdade, o consumidor não sabe os percentuais de reajuste? Não adianta dar uma fórmula sem traduzir de uma maneira adequada para pessoas não técnicas”, explica.
Segundo a pesquisadora, o Idec e outras entidades solicitaram a simulação para saber como seriam os reajustes, caso tivesse sido aplicada a metodologia nova em relação à anterior. “A ANS se recusou a fazer essas simulações e não deu uma justificativa razoável para isso”, critica Ana Carolina.
Em nota, a ANS afirma que promoveu uma série de reuniões com o setor regulado, órgãos de defesa do consumidor, agentes do governo e do Congresso para apresentar a nova proposta de cálculo do reajuste. “A intenção foi detalhar a metodologia, esclarecer aspectos técnicos e dirimir dúvidas relacionadas ao tema. Entre os encontros promovidos, destacam-se: Fundação Procon SP, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Senado Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro”.
A ANS informa ainda que foram colhidas 144 contribuições presenciais e por meio de formulário on-line, e que a proposta foi fruto de estudos internos e ampla discussão com representantes de órgãos de defesa do consumidor, entes regulados e a sociedade de maneira geral. “O aprimoramento do cálculo do reajuste é uma das medidas da Agência para ampliar o acesso da população aos planos de saúde, promover a sustentabilidade e estimular a qualidade do setor, incentivando a busca da eficiência”.