Valor econômico, v.19, n.4644, 06/12/2018. Brasil, p. A4

 

Fim da pobreza no Brasil custaria R$ 10 bi por mês 

Bruno Villas Bôas 

06/12/2018

 

 

O Brasil precisaria gerar uma renda adicional de R$ 10,2 bilhões por mês para erradicar a pobreza no país. Este valor é a soma de quanto cada um dos 54,8 milhões de brasileiros pobres - que vivem com uma renda inferior a US$ 5,50 por dia, o equivalente a R$ 406 mensais - precisariam receber a mais para superar a linha de pobreza.

A estimativa consta na Síntese de Indicadores Sociais, divulgada ontem. Segundo o estudo, a pobreza cresceu 3,7% em 2017, o que corresponde a 1,97 milhão de pessoas a mais vivendo com menos de US$ 5,5 por dia. Metade desse incremento foi no Estado de São Paulo, o mais rico do país, que tinha 6,7 milhões de pessoas na pobreza, 1,1 milhão a mais que no ano anterior.

"Erradicar a pobreza depende de decisões. Você pode subsidiar a moradia e a alimentação, gerar empregos, contemplar isso tudo. Mas, se você quiser resolver o problema amanhã, numa canetada, esse seria o montante necessário a ser investido", disse o pesquisador Leonardo Athias, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pobreza cresceu num ambiente negativo no mercado de trabalho, que emprega menos e pior. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, de 1,1% frente ao ano anterior, foi puxado pela agropecuária, atividade menos empregadora. Além disso, programas de transferência de renda ficaram mais restritos por conta da situação fiscal do setor público.

Dessa forma, 26,5% dos brasileiros estavam abaixo da linha de pobreza em 2017, ante 25,7% no ano anterior, considerando essa métrica de pobreza usada pelo Banco Mundial para países de renda média-alta, como o Brasil - a comparação do organismo internacional e do IBGE para os US$ 5,50 é feita usando a paridade do poder de compra. Basicamente, trata-se da soma de todas as rendas do domicílio dividida pelo total de moradores (pais, filhos etc.).

O forte crescimento da pobreza no Estado de São Paulo seria ainda condizente com o ciclo econômico do país, avaliou o pesquisador Pedro Herculano de Souza, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "O trabalho e a renda urbana foram muito afetados pelo aumento do desemprego e, por isso, a crise foi tão profundamente sentida no Sudeste", disse Souza.

Essa piora foi sentida na pele pela dona de casa Ana Cláudia Torquato, de 45 anos, moradora da Tijuca, na zona norte do Rio. Ontem, Ana Cláudia acompanhou a filha Antonia Jéssica Torquato, de 27 anos, a um Centro de Referências de Assistência Social no Rio. O objetivo era renovar sua inscrição no Cadastro Único, que dá acesso a programas sociais do governo federal.

Como a filha foi demitida, a renda familiar de Ana Cláudia caiu para cerca de R$ 1.600. São quatro pessoas na família, o que coloca a renda familiar per capita em R$ 400, abaixo da linha de pobreza. "O emprego está muito ruim. Minha filha foi dispensada, então vamos buscar alguns benefícios", lamentou Ana Cláudia.

O Nordeste ainda concentra, porém, a maior parte da pobreza do país. A região tinha 25,6 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 5,50 por dia, 46% da população. Na comparação com 2016, a pobreza no Nordeste cresceu 2,5%, o que corresponde a 622 mil pessoas a mais. No Sudeste, o crescimento foi de 9,2%, refletindo a piora no Estado de São Paulo.

O Maranhão segue o Estado mais pobre do país, com 54,1% da população vivendo com menos de US$ 5,50 por mês. Na sequência, aparecem os Estados de Alagoas (48,9%) e Amazonas (47,9%). No outro extremo das estatísticas, Santa Catarina tinha 8,5% de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza, o menor índice do país.

Como outros indicadores sociais, a pobreza é crescente também em razão de cor, sexo e do arranjo familiar. Um domicílio com uma mulher de cor preta ou parda sem cônjuge e com filho tinha 64,4% de probabilidade de ser pobre. As chances de um homem branco ou mulher branca serem pobres eram de 16,7% e 16,2%, respectivamente.

O retrato feito pelo IBGE mostra também que os pobres ficaram ainda mais pobres no ano passado. A pobreza extrema como um todo no país - renda per capita de US$ 1,90 por dia, ou R$ 140 por mês - cresceu 12,7% em 2017, para 15,2 milhões de pessoas. O resultado confirma reportagens do Valor ao longo do ano, mostrando a disparada da pobreza extrema no país.

Especialista em distribuição de renda, o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, defende o aumento do Bolsa Família, programa de transferência de renda federal, para servir de amortecedor ao avanço da pobreza, mesmo com as restrições fiscais enfrentadas pelo país. Ele lembra que o programa foi um dos mais bem-sucedidos em sua área no mundo.

"Esta é a hora que o Bolsa Família mostrar seu valor", disse o pesquisador.

Dados levantados por Neri mostram que o valor médio recebido por beneficiários do Bolsa Família recuou de R$ 154,90 em 2016 para R$ 153,90 em 2017, baixa de 0,6%. Segundo ele, o movimento reflete o "pente fino" feito pelo governo federal no programa. Ele reconhece, porém, que o programa ficou mais bem "focalizado" por causa disso.

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Desigualdade de renda teve leve acréscimo em 2017

Bruno Villas Bôas 

06/12/2018

 

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem um novo cálculo do Índice de Gini do país e mudou um pouco a percepção sobre o que aconteceu com a desigualdade de renda no primeiro ano de saída da crise. Pelo novo cálculo, que considera um tratamento estatístico na base de dados do instituto, a desigualdade passa a ter um leve acréscimo de 2016 para 2017, em vez da estabilidade anteriormente divulgada.

Em abril, o IBGE divulgou que o índice de Gini, principal medida de desigualdade da renda, ficou estável no país no ano passado, em relação ao ano anterior, ao registar 0,549 - o indicador varia de zero a um, sendo zero uma distribuição perfeitamente igualitária. Das cinco grandes regiões, a desigualdade recuava apenas no Sudeste.

Ontem, a Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE confirmou que o índice foi de 0,549 em 2017, mas exibiu um índice menor para 2016 (0,546). A diferença é pequena, de 0,03 ponto, mas é assim que o índice de Gini costuma se mover - lentamente. Os técnicos do IBGE chamaram a diferença de "acréscimo", mas evitaram defini-la como "significativa" - ou seja, para além da margem de erro.

Segundo André Simões, gerente da pesquisa, o índice de 2016 mudou por causa do tratamento estatístico aplicado nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2016, fonte do cálculo do Gini. O órgão decidiu retirar da amostra um empresário de transportes - com renda declarada de mais de R$ 1 milhão por mês - que provocou distorções nas estatísticas do órgão.

Por ser uma pesquisa baseada em amostra, cada entrevistado pela Pnad Contínua representa um grupo de pessoas. Em geral, moradores de bairros de alta renda tendem a representar um conjunto pequeno de pessoas na pesquisa, por representarem uma parcela menor da população (os mais ricos). Esse milionário dos transportes, porém, mora num bairro de baixa renda e entrou na pesquisa com peso maior do que deveria.

Desta forma, a desigualdade de renda do Sudeste também passou a ter comportamento diferente. Em vez de queda de 0,535, em 2016, para 0,529, em 2017, o índice de Gini da região passou a crescer de 0,528 para 0,529. A região Nordeste continuou exibindo, o pior indicador de desigualdade: 0,567 em 2017, nível semelhante da República Centro-Africana (0,563).

O IBGE também divulgou que os 10% das pessoas com os maiores rendimentos (de todas as fontes) do país acumulavam 43,1% da massa total dos rendimentos. Já os 40% com os menores rendimentos detinham apenas 12,3%. Esse estrato do topo concentrava 3,51 vezes mais rendimentos do que a base, razão conhecida como o Índice de Palma.

Metade da população do Nordeste vivia de uma renda de meio salário mínimo por mês no ano passado. Isso corresponde a 28,5 milhões de pessoas. Na região Sudeste, 21% da população viviam com um rendimento domiciliar per capita de até meio salário mínimo. Já a região Sul teve o maior rendimento domiciliar per capita, de R$ 1.788 por mês, superando as regiões Centro-Oeste (R$ 1.776) e Sudeste (R$ 1.773). Os menores rendimentos por morador estavam, novamente, nas regiões Nordeste (R$ 984) e Norte (R$ 1.011).