Valor econômico, v.19, n.4647, 11/12/2018. Opinião, p. A12

 

Virando o jogo na segurança pública 

Adriano Pitoli 

11/12/2018

 

 

Poucas coisas colocam o Brasil em posição mais vexatória do que a situação da segurança pública. Levantamento do Banco Mundial com mais de 170 países mostra que menos de 15 possuem taxas de homicídios piores que as do Brasil. Mais espantoso, se o país reduzisse pela metade o seu atual índice de 30,3 mortes por cem mil habitantes ao ano subiria apenas cerca de 12 posições no ranking internacional. São Paulo, mesmo com o menor índice do país (10,9), ainda estaria entre as 40 nações mais violentas do mundo.

Em meio a esse quadro desolador, antever uma perspectiva positiva pode soar um despropósito. Contudo, diminuir acentuadamente os índices de criminalidade é um desafio que está plenamente ao alcance das autoridades e onde importantes avanços podem ser obtidos em poucos anos.

Não se trata de minimizar as profundas raízes sociais do problema. Basta lembrar que cerca de dois de cada três menores infratores internados na Fundação Casa cresceram em lares desestruturados.

Os determinantes da violência, no entanto, são múltiplos e complexos e nem sempre é possível estabelecer uma associação mais estreita com outros índices de vulnerabilidade social. Analisando-se os dados compilados pelo Ranking de Competitividade dos Estados, por exemplo, a evolução da taxa de homicídios entre as unidades da federação desde 2001 mostrou-se pouco relacionada à desigualdade de renda e menos ainda aos índices de pobreza. Mais significativa parece ser a ligação com a proporção de jovens nem-nem - que não estudam nem trabalham.

Ainda que o peso de fatores sociais sobre a violência não deva ser negligenciado, até por ser igualmente imperativo resgatar a imensa dívida social do país, a experiência internacional e até mesmo a de algumas unidades da federação - principalmente São Paulo e, em proporção bem menor, Distrito Federal e Paraíba - mostram que é plenamente possível obter avanços expressivos em um prazo relativamente curto.

O melhor exemplo vem dos países desenvolvidos, que vem conseguindo promover uma continua queda da criminalidade. Entre os países da OCDE, excluindo-se o México, a taxa de homicídios gira em torno de 1,3 por 100 mil habitantes. Isso contra muitos prognósticos de que diante do aumento da diversidade étnica e da piora da distribuição de renda os índices de violência voltariam a se agravar. Há também casos de sucesso na redução de homicídios em países tão diversos como a Estônia, Zimbábue, Cazaquistão e nos nossos vizinhos Paraguai e Colômbia.

As razões da redução da criminalidade em muitos lugares talvez ainda seja objetivo de debate, mas muitos especialistas dão destaque para o que talvez devesse ser a explicação menos surpreendente de todas - a maior eficiência dos sistemas de segurança pública, com foco em informação e inteligência policial.

O combate ao crime por óbvio pressupõe reduzir as oportunidades e elevar o custo da prática de delitos; comprovar a autoria e inibir a reincidência dos infratores. Em todas essas frentes a experiência internacional acumula muitos avanços, que vem se intensificando graças aos rápidos avanços de uma série de tecnologias.

O mapeamento detalhado da incidência dos crimes e até mesmo o uso de inteligência artificial permitem alocar as forças policiais nas áreas e horários de maior risco. Estudos mostram que 80% dos homicídios são praticados em menos de 5% do perímetro urbano nos países da América Latina.

Com a rápida queda nos custos de comunicação, vem ocorrendo um aumento exponencial no monitoramento remoto de ambientes públicos e privados, incluindo o uso de câmeras de alta resolução e drones. Será cada vez mais difícil praticar crimes violentos sem deixar rastros digitais. O reconhecimento facial já permite também a identificação de autores de crimes e a localização de foragidos da Justiça no espaço público.

A tornozeleira eletrônica representa uma solução mais eficiente para o monitoramento e liberdade vigiada de criminosos, permitindo reduzir os elevados custos econômicos e sociais do encarceramento.

Localizadores remotos de produtos de maior valor, incluindo celulares, notebooks, automóveis, caminhões e cargas começam a afetar o retorno da indústria do crime, sendo que o advento da internet das coisas poderá fazer muito mais para inibir o mercado secundário do produto dos roubos. O aumento do uso de sistemas eletrônicos de pagamento em lugar do dinheiro em espécie também reduz as oportunidades de roubos.

O enfrentamento dos alarmantes índices de criminalidade no país passa, sem dúvida, por uma maior pressão da sociedade, incluindo a punição pelo voto dos governantes que não estejam conseguindo reverter o quadro. Para isso, os cidadãos precisam superar o atual estado de letargia e resignação e o primeiro passo é acreditarem que a solução existe e que está ao nosso alcance.

O país vem conseguindo, com todas as suas peculiares idas e vindas, enfrentar problemas igualmente complexos. Há não muito tempo o Brasil deixou de se situar entre os recordistas mundiais de inflação, extrema pobreza e de falta de acesso à energia elétrica e telecomunicações e ensaia fazer o mesmo com os juros, acidentes de trânsito e até mesmo de corrupção. É chegada a hora de uma cruzada pela segurança pública.

Embora os índices de violência ainda estejam piorando, é possível ver alguns sinais na direção correta, com destaque para o que talvez seja o fim de décadas de omissão do governo federal, com a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e o novo papel estratégico do Ministério da Justiça, que deverá assumir um papel mais proativo de fomentar investimentos em informação, inteligência, planejamento, coordenação e estabelecimento de metas junto às forças estaduais. Há bem mais tempo, boa parte do mérito pela reação da sociedade civil deve ser creditado ao pioneiro trabalho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.