Valor econômico, v.19, n.4647, 11/12/2018. Opinião, p. A13

 

Como se beneficiar das novas tecnologias?

Jorge Arbache 

11/12/2018

 

 

As novas tecnologias estão transformando o dia-a-dia das pessoas e criando possibilidades jamais imaginadas. Mas as empresas também estão se beneficiando. Considere tecnologias digitais simples, como planilhas e softwares de controle de estoques, e tecnologias mais avançadas, como inteligência artificial, computação na nuvem, internet das coisas, robôs, impressoras 3D e Indústria 4.0. Essas tecnologias estão transformando a produção e a gestão da produção e alterando por completo a noção de eficiência e até de tempo.

Para a América Latina, cuja produtividade está estagnada e corresponde a apenas uma fração daquela observada em países desenvolvidos, e cujos indicadores de competitividade recuaram nos últimos anos, aquelas tecnologias podem ser uma benção.

De fato, as tecnologias digitais podem ter impactos importantes ao contribuírem para o aumento da produção por trabalhador, para a racionalização no uso dos recursos e para a entrada das nossas empresas nos mercados internacionais. Se compartilhados, os benefícios do aumento da produtividade e da competitividade podem afetar não apenas a criação de riquezas, mas, também, o combate à pobreza, tema ainda bastante caro para a nossa região. Parece, portanto, razoável que devamos facilitar o acesso e incentivar o emprego das novas tecnologias.

Porém, a despeito da importância, é preciso ter em conta os limites do alcance das novas tecnologias em razão da comoditização digital. A comoditização digital refere-se ao impacto que a popularização do acesso e uso de tecnologias digitais padronizadas e de uso geral têm na competitividade. Enquanto apenas poucas empresas têm acesso à uma determinada nova tecnologia, o seu impacto na competitividade aumenta rapidamente. Mas, à medida que o acesso e uso daquela tecnologia se disseminam, o seu impacto marginal diminui e, eventualmente, desaparece.

Pense nos softwares de controle de estoques ou mesmo na computação na nuvem. Desta forma, o uso de tecnologias comoditizadas se torna um requerimento de entrada e permanência no mercado. Ou seja, essas tecnologias passam a ajudar a colocar a empresa "no jogo", mas não a "ganhar o jogo".

A comoditização digital resulta da mudança nos modelos de negócios em que tecnologias sofisticadas são comercializadas a preços relativamente baixos em favor da fidelização a plataformas e a padrões técnicos, combinada com a redução do ciclo de vida das tecnologias e com o efeito-rede e o efeito-plataforma. Uma vez fidelizado, o usuário passa a pagar por serviços de custos variáveis e pelo uso de funções específicas e de níveis tecnológicos mais elevados.

Ter acesso a uma plataforma técnica profissional, um robô, uma colheitadeira agrícola de última geração ou a plataformas de e-commerce e de meios de pagamentos, por exemplo, passou a ser a etapa inicial, e não a final de uma jornada mais longa de admissão de uso de tecnologias, processos produtivos e canais de vendas mais sofisticados.

Estamos observando uma cada vez mais visível distinção entre empresas que são usuárias de commodities digitais e empresas que são desenvolvedoras, gerenciadoras e distribuidoras daquelas tecnologias, padrões e plataformas. E também que estas últimas estão capturando parcela cada vez maior dos benefícios privados das commodities digitais, o que ajuda a explicar a gigantesca influência daquelas empresas. Pense, por exemplo, nas grandes plataformas de e-commerce, que têm o poder de definir as regras do jogo em que operam os negócios de terceiros e até em que termos cada um vai jogar o jogo.

Mas também estamos aprendendo que o emprego de commodities digitais poderá ter menos impactos positivos nos países emergentes do que inicialmente pensado. E isto porque, mesmo elevando o patamar da produtividade, as tecnologias não são capazes de, necessariamente, transformar aquele ganho em aumento de competitividade. Adicionalmente, as commodities digitais tendem a reduzir a relevância da mão de obra, fator de produção abundante por aqui, nos custos da produção.

De fato, já se observam mudanças na geografia global dos investimentos em desfavor das economias em desenvolvimento, já que as tecnologias comoditizadas estão viabilizando a produção industrial mesmo em países avançados, onde a mão de obra é mais cara.

Como, então, as novas tecnologias poderão beneficiar a competitividade dos países emergentes? Primeiro, pela intensificação do seu uso especialmente em atividades em que já se têm vantagens comparativas e competitivas e que podem ser potencializadas por aquelas tecnologias e, segundo, pelo uso das vantagens comparativas e competitivas para encorajar o engajamento no desenvolvimento, gestão e distribuição de tecnologias.

O que pode soar como algo muito ambicioso, já começa a acontecer. O Uruguai se tornou um desenvolvedor de tecnologias de rastreamento de rebanhos. Além de beneficiar os seus pecuaristas com a entrada da carne em mercados mais exigentes, o país também está ganhando com a comercialização internacional daqueles conhecimentos. As agritechs brasileiras estão desenvolvendo sofisticadas tecnologias que estão aumentando a produtividade da agricultura ao tempo em que estão comercializando os seus serviços em nível global. Já o Chile está desenvolvendo tecnologias de mineração que preservam vidas e o meio ambiente e estão ampliando o leque e as fontes de geração de riquezas. Além de gerar mais renda, essas tecnologias também diversificam a economia podem contribuir para viabilizar atividades industriais.

Assim, para além de apenas facilitar o acesso e incentivar o emprego de novas tecnologias, temos também que encorajar o desenvolvimento em mais alta escala de tecnologias. E isto é possível.

Reconhecer a importância do conhecimento como fonte primária da geração de valor no século XXI será passo fundamental para se fomentar o crescimento sustentado e, assim, encaminhar soluções para muitos dos problemas econômicos e sociais da nossa região.