Valor econômico, v.20 , n. 4782 , 29/06/2019. Brasil, p. A2

 

São Paulo gasta 130 vezes mais para gerir prisões que em ações para jovens

Leila Souza Lima

29/06/2019

 

Estudo sobre os custos financeiros das prisões provisórias na cidade de São Paulo, do Instituto Sou da Paz, aponta para a ineficiência no uso de recursos estatais no âmbito das políticas de segurança. O levantamento compara despesas prisionais com investimentos do Estado na redução da vulnerabilidade social de jovens — recursos que, além de estar em queda, têm baixos valores empenhados se comparados com os destinados à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Para os pesquisadores, ações preventivas patrocinadas pelo poder público poderiam não só levar à queda nos indicadores de violência, mas dos gastos com o combate ao crime — sobretudo com encarceramento.

Os valores empenhados pela Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude; ao programa Ação Jovem — Meu Futuro; e ao projeto Jovem Cidadão — Meu Primeiro Trabalho foram de R$ 166,2 milhões, R$ 31,9 milhões e R$ 4,1 milhões, respectivamente, em 2017. Já a verba da SAP para prisões somou R$ 4,6 bilhões no período.

“O Estado gasta 130 vezes mais com administração penitenciária do que com ações de transferência de renda e iniciativas para inserção para jovens”, pontua Ana Carolina Pekny, coordenadora de projetos no Sou da Paz.

O público contemplado pela Secretaria de Educação (3,7 milhões) é 14 vezes maior que o atendido pela SAP (236.349), mas a execução orçamentária da primeira área em 2017 (R$ 33,4 bilhões), mostra o levantamento, foi apenas seis vezes maior que a da segunda pasta (R$ 4,6 bilhões). Entre 2010 e 2017, as despesas anuais da Secretaria de Administração Penitenciária cresceram 28%, ao passo em que o valor empenhando pela Educação avançou apenas 8%. Assim, diz o Sou da Paz, as prisões custam proporcionalmente mais ao erário.

De acordo com a abordagem — que abrangeu moradores das regiões de Brasilândia, Freguesia do Ó e Jardim Ângela, na cidade de São Paulo —, em 13% dos 753 casos analisados, os presos foram recolhidos em média por quatro meses e por crimes em que a condenação tem pena máxima de quatro anos. Gerente de Gestão do Conhecimento no Instituto Sou da Paz, Stephanie Morin ressalta que essas custódias, em muitos casos mantidas por mais tempo que o necessário ou sequer comprovadas devido à fragilidade de provas, representam um prejuízo ao bolso do cidadão, que banca o sistema com impostos.

Segundo informações da SAP, cada preso em Centro de Detenção Provisória (CDP) representou custo mensal de R$ 1.296,95 em 2016 e R$ 1.287,09 em 2017. “Se essas pessoas tivessem respondido o processo em liberdade, o Estado teria economizado R$ 417 mil, fora os custos humanos da prisão”, explica Ana Carolina. Esses números sequer incluem gastos com escolta, prisão em flagrante e outras despesas. “Estamos, na verdade, subdimensionando”, frisa Stephanie.

A pesquisa Vale a pena? Custos e alternativas à prisão provisória na Cidade de São Paulo — 2016/2017, lançada pela ONG e pelo Insper, contou com financiamento do Fundo Brasil de Direitos Humanos e foi executada em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com contribuições da organização Rede Nossas Cidades. Levou três anos para ser concluída, principalmente, segundo os analistas, devido à dificuldade de acessar informações ou à total indisponibilidade de dados públicos.

O Estado de São Paulo concentra um terço da população carcerária no Brasil — 236.349 detentos —, sendo quase um quarto dos apenados (58.702) em regime provisório, com custo estimado de aproximadamente R$ 76 milhões por mês aos cofres públicos. Dois meses a menos nas prisões dos 753 detentos da amostra analisada pelo Sou da Paz gerariam economia de R$ 1,9 milhão — montante mais que suficiente, por exemplo, para cobrir o R$ 1,5 milhão que o Estado deixou de empenhar no Jovem Cidadão entre 2016 e 2017.

“Muitos desses presos são suspeitos de crimes de baixo potencial ofensivo e depois provavelmente serão absolvidos ou condenados a penas inferiores ao tempo que já passaram encarcerados”, argumenta Stephanie.

Entre os crimes referidos como de baixo potencial ofensivo estão tentativa de furto, receptação culposa de itens roubados e o envolvimento nos degraus mais baixos do tráfico de drogas, aqui representado na figura do “aviãozinho”, delito que, embora implique pena alta, é considerado crime não-violento. Para a aferição, foi considerado como prisão provisória o período entre a detenção e a sentença em primeira instância ou a soltura mediante alvará expedido durante o processo.

A gerente do Sou da Paz chama atenção também para os benefícios das penas alternativas. “O custo da pena não restritiva de liberdade é irrisório em relação ao encarceramento, não há como comparar. Sem contar que o condenado não é privado de trabalhar e do convício com a família. E o risco de reincidência criminal é muito menor. Então é positivo tanto do ponto de vista social quanto pelo lado econômico”.

Professora do Insper na área de orçamento público e superintendente da Fundação Tide Setubal, Mariana Almeida ressalta que a pesquisa mostra o custo humano do uso ineficiente das verbas públicas, mas tem outro mérito: transformar esse cenário em variáveis ajudem gestores públicos a fazer escolhas inteligentes para empregar esses recursos, que são cada vez mais escassos.

“Melhora a gestão pública trazendo dados e evidências para ajudar a reverter a lógica de alocação dos recursos. Passa, sim, pela decisão política, pela pressão da sociedade e sobre como todos estão indignados em relação aos temas. Mas também tem o aspecto da organização e implementação das demandas, que fica secundarizado, e ali é que pode ocorrer a falha. A ideia é ajudar o gestor público, consequentemente melhorar a situação orçamentária e fiscal dos Estados”.

Para Mariana, houve generalização do rótulo “conservador”. “Há um grande grupo de pessoas que têm esse rótulo, mas com disposição para o diálogo, pessoas contra a violência. Quando a sociedade entende o tema e faz escolhas baseadas em evidências, é possível avançar. Deixar uma pessoa presa por um ano sem julgamento não é uma saída racional”.

O estudo destaca que a taxa de encarceramento tende a cair na medida em que diminui a vulnerabilidade social. “Não podemos categoricamente dizer que existe uma correlação, mas os dados apontam para uma enorme oportunidade de se reduzir o encarceramento pensando na condição social, investindo recursos suficientes em comunidades vulneráveis”, observa Stephanie. Faria todo sentido priorizar políticas de prevenção, defende.

“Basta olhar dados do IBGE, pois onde há mais encarceramento, existe um percentual mais alto de pessoas com ensino fundamental incompleto, de analfabetos na população de 15 anos ou mais. Mudar esses indicadores é uma forma de tentar reverter a as prisões nesses lugares”.

A especialista pondera que o Sou da Paz não está defendendo deslocar os recursos para educação e ações de inclusão. “Mas é preciso pensar com mais critério sobre prioridades e formas de se reduzir violência e reincidência criminal, tendo em vista que está mais do que claro que a prisão no Brasil favorece o retorno ao crime”.