Valor econômico, v.19, n.4680, 31/12/2018. Política, p. A10

 

Damares vai reavaliar indenizações pagas a vítimas da ditadura militar 

Isadora Peron 

Fernando Exman 

31/01/2019

 

 

Nova responsável pela Comissão de Anistia, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, decidiu fazer um pente-fino nas indenizações pagas pelo Estado brasileiro a vítimas da ditadura militar. A ministra também poderá mudar a composição do colegiado, o que pode impactar diretamente as próximas concessões. Um dos casos que deve ser analisado em breve pelo colegiado é o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que tende a ser negado.

Um ex-presidente da comissão afirmou, sob a condição de anonimato, que casos semelhantes ao de Dilma - que foi presa e torturada - sempre foram deferidos. "O caso dela se assemelha muito mais aos casos que historicamente foram deferidos pela comissão", disse.

Auxiliares da ministra têm afirmado que a intenção do novo governo é abrir a "caixa-preta" do que chamam de excesso de benefícios já autorizados, além de passar a fazer uma análise "mais criteriosa" dos pedidos que ainda aguardam decisão. A princípio, essa revisão deve ficar restrita a indenizações pagas nos últimos cinco anos, mas há a possibilidade de ir além.

Segundo a lei que criou a comissão, de 2002, o grupo de conselheiros elabora pareceres, mas o ministro tem a última palavra sobre os processos de reparação. Antes, essa prerrogativa era do ministro da Justiça. No entanto, o governo transferiu essa estrutura para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Uma das preocupações de quem atua na área é que os militares ganhem mais peso nas discussões e decisões da comissão.

Também caberá à ministra a nomeação dos novos conselheiros. A última formação do colegiado era composta por 20 integrantes. Agora, ela tem carta-branca para escolher quem fará parte da comissão - e até para diminuir o número de conselheiros. A única exigência é ter ao menos um representante do Ministério da Defesa e um dos anistiados políticos.

Desde que a Comissão da Anistia foi criada, em 2002, mais de 77,9 mil pedidos de reparações foram protocolados. Desses, 39.329 foram atendidos. Hoje, há cerca de 13 mil pendentes. Em 2017, foram deferidos 52 processos e 129 indeferidos. Em 2018, foram autorizados 48 e negados 1.046. No total, o governo federal já pagou cerca de R$ 10 bilhões em indenizações. Há ainda o pagamento de R$ 7,5 bilhões que já foi autorizado, mas não foi realizado.

Ex-secretário Nacional de Justiça, o advogado Beto Vasconcelos, do escritório Xavier Vasconcelos Valerim Advogados, disse que não está clara a motivação da medida. Para ele, mais importante do que a mudança administrativa em si, é saber quais foram as razões, pois isso poderá afetar direitos de reparação de pessoas que já estão em idade avançada.

"Iniciativas de aprimoramento, integridade e, sobretudo, de transparência administrativa, são requisitos essenciais da atividade pública. O que se espera ser priorizado, também, é a identificação mais célere das vítimas da repressão do Estado, em especial, das pessoas mais simples que ainda não conseguiram acionar a Comissão de Anistia", afirmou. "Parece-me que a dívida que o Estado possui há anos com a sociedade é resolver o enorme passivo de processos de reparação e garantir efetivo processo de registro histórico sobre as violências estatais ocorridas nos períodos ditatoriais."