Título: Denúncia não altera julgamento, diz ministro
Autor: Kleber , Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2012, Política, p. 4

O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro e prestes a ser julgado por evasão de divisas e formação de quadrilha, tem dito a amigos e parentes, segundo reportagem da revista Veja publicada ontem, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só estava ciente do mensalão como chefiava o esquema, e que os valores envolvidos no escândalo eram seis vezes maiores do que o apontado pela Procuradoria Geral da República. A defesa do réu, porém, disse ao Correio que Valério desmente "por completo" o teor da reportagem. O ministro Marco Aurélio Mello chegou a descartar qualquer alteração no julgamento no STF.

Segundo a revista, Marcos Valério estaria arrependido de manter silêncio sobre os verdadeiros fatos do mensalão. Em meio a reclamações como "o PT me transformou em bandido" e "o PT me fez de escudo, me usou como um boy de luxo", o empresário estaria com medo por saber demais. Ainda assim, aponta a publicação, Valério estaria distribuindo informações que comprometeriam Lula.

Entre os relatos que teriam sido feitos pelo empresário, estão encontros com o ex-presidente no Palácio do Planalto, ao lado do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu — que começa a ser julgado no STF esta semana por formação de quadrilha e corrupção ativa. Valério teria contado que Lula "comandava tudo" e "era o chefe", responsável, inclusive, por arrecadar dinheiro de empresas com interesse no governo federal. Segundo a revista, o publicitário teria comentado também que os recursos que abasteciam o esquema ultrapassaram os R$ 55 milhões citados na denúncia e a verdadeira contabilidade teria sido guardada a sete chaves pelo ex-tesoureiro do partido e também réu Delúbio Soares. "O caixa do PT foi de R$ 350 milhões, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA (de propriedade de Valério)", teria afirmado o empresário.

O advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, disse ao Correio ter conversado com o cliente após ler a reportagem da revista. "Ele está negando por completo a matéria, todo o conteúdo", disse.

Repercussão A oposição aproveitou as supostas declarações do empresário para atacar o PT. "As informações de Marcos Valério podem revelar outros participantes do esquema e é dever do Ministério Público, diante de uma denúncia-crime, abrir processo", comentou o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP).

Segundo o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), o partido estuda a possibilidade de apresentar uma representação à Procuradoria Geral da República pedindo a abertura de um novo processo. "A perspectiva de prisão solta a língua e ele só tem confirmado o que já era conhecido sobre o envolvimento do ex-presidente."

Ao tomar conhecimento da reportagem, o núcleo petista saiu em defesa de Lula: "Ele teve oportunidade de falar isso no processo todo esse período e agora, no momento em que é réu, condenado e na iminência de ir para a cadeia, bateu o desespero. Vejo tudo isso como a fala de alguém que não tem nenhuma credibilidade para incriminar o (ex) presidente", criticou o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP).

As supostas declarações de Valério não alteram o julgamento do caso no Supremo. Essa é a avaliação do ministro Marco Aurélio Mello e de juristas e advogados do PT e de réus da ação penal. Segundo o magistrado, o julgamento é feito com base nos elementos probatórios contidos nos autos e o ex-presidente não é sequer acusado no processo. "O julgamento já teve início e não há como retroagir à fase ultrapassada. Portanto, nesse processo, não muda nada", afirmou Mello ao Correio.

Influência Ele ressaltou, porém, que a revelação de novos fatores pode, de certa forma, influenciar a concepção dos julgadores do mensalão. "Além disso, precisamos aguardar se teremos iniciativa do Ministério Público, no futuro, para instalar um inquérito (sobre possíveis novas descobertas). Não cabe ao Supremo fazê-lo", explicou. O Código Penal determina que uma nova investigação só deve ser aberta se outras provas forem encontradas.

Para o coordenador do setorial jurídico do PT em São Paulo, advogado Marco Aurélio de Carvalho, as supostas declarações de Valério a respeito da participação do ex-presidente Lula no esquema não muda absolutamente nada na Justiça. "Essa é mais uma tentativa de reescrever uma página da história com testemunhos frágeis, sem substâncias materiais. É o desespero de um dos envolvidos", disse.

"A perspectiva de prisão solta a língua e ele (valério) só tem confirmado o que já era conhecido sobre o envolvimento do ex-presidente" Alvaro Dias, líder do PSDB no Senado

Denúncias ignoradas O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não comentou as denúncias publicadas na revista Veja nos comícios que participou ontem. Na manhã de sábado, ele estava no município baiano de Feira de Santana (foto). À tarde e à noite, participou de eventos em São Paulo. Antes do comício, o candidato do PT na disputa pela prefeitura paulistana, Fernando Haddad, minimizou as supostas declarações do empresário Marcos Valério. "É normal essas pessoas que sofrem processos dessa natureza, mais fragilizadas, mudarem a versão dos fatos recorrentemente até para se justificar perante a família." Já o tucano José Serra, concorrente de Haddad, cobrou novas investigações: "Agora tem mais elementos, elementos que já se anunciavam, elementos novos que devem, sim, ser investigados".