Valor econômico, v.19, n.4665, 10/01/2019. Especial, p. A14

 

Com nota menor, Goiás perde aval do tesouro e vive 'caos'

Andrea Jubé 

Fabio Murakawa 

10/01/2019

 

 

Na primeira reunião com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), ouviu que o Estado caiu da letra C para a D no ranking do Tesouro Nacional que avalia a situação fiscal das unidades da federação. Foi avisado ainda de que a possibilidade de um aval ou de um empréstimo é zero. O déficit orçamentário é de R$ 3,4 bilhões, há duas folhas de pagamento em aberto e só restaram R$ 11 milhões nos cofres estaduais.

Caiado afirma que seu antecessor, Marconi Perillo (PSDB), fez "pedalada fiscal" e espera que ele "sofra as consequências de seu ato". Após 24 anos de Congresso Nacional, como deputado e senador, admite que os parlamentares "não têm noção" da grave situação fiscal dos Estados e da União e diz que os tribunais de contas deveriam ser mais "técnicos" e menos "políticos".

Ontem, Caiado teve a segunda reunião com Paulo Guedes em Brasília, em busca de uma saída para o colapso fiscal. Ele tem honrado as parcelas da dívida com a União e assegura que não dará "calote".

Guedes enviará uma equipe de técnicos do Tesouro para analisar as contas de Goiás no próximo dia 14, a fim de traçar um diagnóstico e estudar o socorro possível. A auditoria estava programada para o dia 21, mas foi antecipada a pedido de Caiado.

"Sou governador, mas também sou cirurgião. Eu não atropelei o paciente, foi outro, mas quando ele chegar ao hospital sou responsável por ele."

Caiado diz que honrará as dívidas do Estado, mas, em contrapartida, não pode interromper a continuidade dos serviços públicos. "Se não tenho aval, não posso contrair empréstimo. Não posso desconhecer as dívidas que existem, também não posso dizer que não tem solução. Tem que ter solução", afirma.

Goiás equiparou-se a outros Estados em crise, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os dois primeiros conseguiram liminares para suspender o pagamento da dívida, e o Rio está sob rigoroso programa de recuperação fiscal.

O governador eleito no primeiro turno expõe a deterioração das contas públicas: quase a totalidade da receita está comprometida com o pagamento da folha de pagamento. Ele está com os encargos de novembro, a folha de dezembro e o 13º dos aniversariantes de dezembro atrasados, um passivo de R$ 1,68 bilhão. A receita mensal do Estado com impostos fica entre R$ 1,28 e R$ 1,3 bilhão.

Caiado conseguiu, porém, honrar as parcelas da dívida com a União para não ter suspenso o repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Caiado afirma que Perillo (PSDB) - que se desincompatibilizou para concorrer ao Senado e foi substituído pelo vice José Eliton - fez "pedalada" e cometeu crime administrativo, e espera que a procuradoria do Estado e o Ministério Público investiguem e punam o prejuízo aos goianos.

O governador de Goiás admite que a Lei de Responsabilidade Fiscal não teve força para evitar "orçamentos fictícios" e manobras fiscais, e cita um exemplo: o desvio de R$ 66 milhões programa Bolsa Universitária para o tribunal de contas (órgão de controle), bem como o não empenho da folha de pagamento.

Para Caiado a solução seriam tribunais de contas estaduais mais "técnicos". Cita como "exemplo singular" o órgão de controle do Espírito Santo, porque a maioria dos colegiados tem formação política, não comprometida com o controle severo dos gastos.

Caiado explica que a Secretaria do Tesouro Nacional não aceita a metodologia que é apresentada pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás. O Tesouro encontrou R$ 8,5 bilhões a mais no Orçamento de 2017, "sem identificação da fonte de receita", mas que houve autorização para a contratação de mais funcionários em 2018, "ano eleitoral".

Ele reconhece a falha de fiscalização dos tribunais de contas de perfil político. E afirma que os deputados e senadores ignoram o caos fiscal em que mergulhou o país a partir de 2012.

"Não têm noção", afirma. "Eles não conhecem um décimo da realidade fiscal do Estado."

Como exemplo, Caiado diz que Goiás e outros Estados não contabilizam na folha de pagamento os inativos e os pensionistas, como se eles não existissem. Isso com o aval dos tribunais de contas, respaldados pelas assembleias legislativas. "[As assembleias] aprovaram essa interpretação em vários Estados, e deu aval aos tribunais", observa.

Ontem Caiado apresentou à equipe de Guedes as medidas que já tomou para realinhar as contas públicas: um corte linear de 20% nas despesas do Estado, demitiu 5.500 funcionários de cargos comissionados (de um total de 6.800) e implantou um sistema de compliance nas secretarias, com indicados da Procuradoria do Estado.

Na Secretaria de Meio Ambiente, por exemplo, sua equipe encontrou uma tabela de cobrança pela liberação de licenças. Também detectou 1.300 soldados da Polícia Militar desviados para outras funções. "Cada órgão tinha um pedágio", afirma o governador.

Na saúde, relata um quadro caótico. "No Hospital Materno Infantil, a condição de limpeza e assepsia das Unidades de Terapia Intensiva [UTI] é mínima, há crianças com lesões graves, recém-nascidos pesando 480g, com formação congênita, tumor cerebral". Ele tem feito apelos aos fornecedores para que liberem os medicamentos. A dívida com a OS que administra o hospital é de R$ 65 milhões, enquanto a dívida total com as OS responsáveis pelos hospitais públicos chega a R$ 300 milhões.

O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre o saneamento das contas e a continuidade dos serviços. "A parte fiscal é fundamental, mas eu não posso simplesmente dizer que meus hospitais fecharam, meus servidores não recebem, meus fornecedores não terão a conta quitada", conclui.