Título: Al-Qaeda convoca
Autor: Luna , Thais de
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2012, Mundo, p. 18

A rede terrorista Al-Qaeda convocou ontem os muçulmanos de todos os países a intensificar os protestos violentos contra embaixadas e consulados americanos — em repúdio ao filme A inocência dos muçulmanos, julgado ofensivo ao profeta Maomé — até provocarem o fechamento das representações diplomáticas. "O incidente é tão grave que os recursos da nação devem ser unidos para expulsar as embaixadas dos Estados Unidos de terras muçulmanas", pede um comunicado divulgado pelo braço iemenita da organização. A onda de distúrbios, iniciada na terça-feira, no Cairo, levou o Departamento de Estado a ordenar a retirada de familiares e os funcionários não essenciais a deixar as embaixadas na Tunísia e no Sudão.

Em um dia com novas manifestações na Líbia, na Tunísia e no Egito (onde um ativista foi morto), além de Indonésia, Austrália e França, a Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA, atuante no Iêmen) reivindicou a autoria do ataque de terça-feira ao consulado dos Estados Unidos em Benghazi, na Líbia, que resultou na morte do embaixador Christopher Stevens e mais três funcionários. O texto afirma que a ação foi também uma vingança pela morte de um de seus líderes: "O martírio do xeque Abu Yahya Al-Libi estimulou o entusiasmo e a determinação dos filhos de Omar Al-Mokhtar para vingarem-se dos que ofenderam e atacaram o nosso profeta".

Horas antes, o presidente da Assembleia Nacional líbia, Mohamed Al-Megaryef, tinha confirmado à agência France-Presse que o ataque em Benghazi não resultou de um protesto espontâneo. "Não posso falar do ocorrido em outros países, mas no caso líbio houve uma execução meticulosa da operação. Houve um planejamento. Não se trata de uma manifestação pacífica que gerou um ataque armado", garantiu. Al-Megaryef considerou a possibilidadade de ativistas de outras nacionalidades terem participado. Até o fechamento desta edição, a polícia líbia havia identificado 50 pessoas envolvidas no ataque, das quais quatro estavam detidas.

Doug MacDonald, especialista em Al-Qaeda da Universidade Colgate, em Nova York, vê no episódio um alerta para os EUA: "Muitas pessoas dizem que a guerra ao terror acabou com a morte de Bin Laden, em 2011. Situações como essa mostram que tal ideia não é verdadeira". Por sua vez, Dario Cristiani, especialista em política internacional pelo King"s College, de Londres, considera que as declarações da Al-Qaeda são uma tentativa de explorar os desdpbramentos do atentado em Benghazi. "No entanto, não acredito que o pedido de intensificação das manifestações piore o nível geral de violência na região. A capacidade política dessa rede de influenciar as massas é reduzida", argumentou.

O Talibã paquistanês, por sua vez, convocou os jovens a defender o islã. "Vocês não valem menos que os rapazes de Benghazi. Parem de olhar para seus governantes tiranos e achar que eles farão alguma coisa: eles aceitaram uma vida de humilhação", criticou o porta-voz do grupo, Ehsanullah Ehsan. Em Paris, 100 pessoas apontadas como "próximas" aos extremistas islâmicos foram detidas por agir "descontroladamente" nos arredores da embaixada norte-americana. Um protesto em Sydney, na Austrália, deixou seis policiais feridos. Um grupo de oito manifestantes foi acusado de tumulto, agressão à polícia e resistência à prisão.

Policiais removem entulho da Praça Tahrir, no Cairo, ao fim de cinco dias de protestos contra os Estados Unidos

Obama Em meio à crise, que levou o levou a enviar 100 fuzileiros navais para a Líbia, o presidente Barack Obama fez questão de reafirmar o respeito dos EUA por todas as religiões. "No entanto, nunca há qualquer justificativa para a violência. Não há desculpa para ataques contra nossas embaixadas e consulados", declarou, em seu discurso semanal transmitido pelo rádio e pela internet. Segundo Cristiani, do King"s College, a contenção da violência no Oriente Médio depende da capacidade de cada governo para responder à situação: "Quanto mais fraco o Estado e quanto menor a sua prontidão para encarar os protestos, mais a violência vai durar".

No quinto dia de confrontos entre polícia e manifestantes nos arredores da Embaixada dos EUA no Cairo, uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas. O presidente Mohamed Morsy, da Irmandade Muçulmana, pediu à população que não ataque embaixadas e consulados estrangeiros. "Nossa religião requer que protejamos nossos hóspedes, bem como suas casas e seus locais de trabalho", recordou. O primeiro-ministro Hisham Qandil também convidou o povo a agir pacificamente, mas lembrou que o filme é um "insulto inaceitável a nosso profeta". Em entrevista à rede britânica BBC, Qandil assegurou que seu governo está tomando medidas para garantir a segurança das missões diplomáticas, mas pediu aos EUA que revejam as normas quanto à liberdade de expressão para evitar desrespeito a crenças religiosas.