O globo, n. 31319, 07/05/2019. País, p. 4

 

Embate com o centrão

Bruno Góes

Natália Portinari

Jailton de Carvalho

07/05/2019

 

 

Governo decide deixar Coaf na Justiça, mas parlamentares preparam obstáculos

O governo decidiu ontem enfrentar o centrão e bancar a permanência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) no Ministério da Justiça, pasta comandada por Sergio Moro. A estrutura administrativa do governo Jair Bolsonaro está sendo analisada pelo Congresso em comissão que trata da Medida Provisória (MP) 870. No primeiro dia de 2019, a MP reduziu o números de ministérios de 29 para 22. Agora, cabe ao Poder Legislativo referendar ou alterar essa proposta.

Hoje, o relator e líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), apresentará o seu parecer a partir das 14h30m. Antes, às 10h, líderes do centrão terão uma conversa para falar sobre o assunto. Por ora, o governo não tem garantia de votos para fazer valer sua vontade.

Ontem de manhã, Bezerra foi orientado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a manter o órgão na alçada de Moro. À noite, o senador foi ao Palácio do Planalto, onde conversou novamente com Onyx.

O governo acha que a manutenção do Coaf na Justiça reforça o poder de investigação contra crimes de colarinho branco. Ao monitorar movimentações financeiras, o Coaf foi fundamental na Lava-Jato, principalmente contra lavagem de dinheiro. Já deputados veem a permanência do órgão para a pasta de Moro como uma forma de dar superpoderes ao ministro.

Partidos do centrão, em especial PP e PR, defendem que o órgão seja subordinado ao Ministério da Economia.

— Só ganha e perde quem tem base. Não existe mais esse negócio de vitória ou derrota . O que existe é nova política. Eu sou a favor do Coaf no Ministério da Economia. Não tem assunto que mude essa posição — diz o líder do PP, Arthur Lira, um dos deputados mais empenhados em derrotar o Planalto.

Em entrevista ao Jornal Nacional ontem, Moro voltou a defender o Coaf na Justiça e tentou desfazer a ideia de que haverá perseguição:

—Você não combate crime organizado, você não consegue ter investigações eficazes contra corrupção e financiamento ao terrorismo se não tiver inteligência contra lavagem de dinheiro. Ninguém quer devassar os dados privados dos cidadãos brasileiros.

No domingo, diante da resistência da oposição e partidos do centrão, Bezerra disse que estava negociando o retorno do Coaf à área econômica do governo — em governos anteriores, o órgão era subordinado à Fazenda. Mas o senador foi impedido de abordar este ponto.

— A última palavra é do governo. Onyx Lorenzoni disse: “Vamos manter o Coaf no Ministério da Justiça”. Foi a orientação que ele me deu —disse Bezerra.

Além de Arthur Lira (AL), os líderes partidários Wellington Roberto (PR-PB) e Elmar Nascimento (DEM-BA) integram a comissão. Ao todo, são 14 senadores e 14 deputados. O governo conta que ao meno soito senadores e quatro deputados vão votara favor da manutenção do Coaf com Moro. Ou seja, menos da metade dos integrantes.

Wellington Roberto, por exemplo, prevê que a mudança no Coaf vai ser aprovada no Congresso de qualquer maneira, já que contaria com ampla adesão.

—A preocupação dos políticos é que Sergio Moro tenha a intenção de ser um superministro e usar o Coaf para fortalecer uma espécie de Estado policial — disse João Roma (PRB-BA), presidente da comissão especial que analisa a proposta.

Convencimento

Ao ser questionado sobre o recuo do líder de governo, que passou a aceitar manter o Coaf com Moro, Lira recorreu à ironia para dizer que o governo “deve ter feito base nesse feriado”.

Além de centrão e oposição, outros partidos, como o PPS, não concordam que o Coaf seja subordinado à Justiça. Líder do DEM, Elmar Nascimento (BA) diz que vai fazer uma reunião hoje com deputados de seu partido para avaliar a situação.

—O lugar do Coaf tem que ser discutido na comissão. Vou reunir minha bancada para saber o que vamos fazer. Quero primeiro ouvir todo mundo —disse Elmar.

Também integrante da comissão, Hildo Rocha (MDB-MA) diz que vai esperar o posicionamento do seu partido, o MDB, para se manifestar. Embora afirme não ter preferência sobre qual ministério deve abrigar o Coaf, aponta a importância de um debate sobre as atividades do órgão:

— Não vejo problema em funcionar para a Economia. Mas a dúvida é se crimes fiscais e tributários continuarão a ter prioridade. O governo precisa arrecadar, precisa dar importância a essa questão. Será que essa será a prioridade ou vão mudar?

Apesar de respeitar o desejo do governo em seu relatório, o senador Bezerra acredita que “certamente” haverá destaque sobre o tema na comissão especial e que o governo vai precisar de um “trabalho de convencimento” sobre o Coaf.

A ideia é votar até quarta a MP na comissão para enfrentar o tema no plenário da Câmara na próxima semana. O governo corre contra o tempo porque precisa conseguir aprovar a proposta também no Senado até 3 de junho, para evitar que a MP perca a validade e toda a reestruturação administrativa seja desfeita.

O passo a passo da MP

> Apresentação do relatório: Hoje.

> Votação em comissão: o governo espera aprovar o parecer amanhã, quarta-feira, para ganhar tempo e negociar possíveis alterações em plenário.

> Data de validade: Caso a medida provisória não seja votada até o dia 3 de junho, caduca. Ou seja, passa a valer a estrutura administrativa deixada pelo governo do ex-presidente Michel Temer, que tinha 29 ministérios.

> Votação em plenário: O Congresso terá sessão conjunta para votar a MP. Primeiro, vota a Câmara. Depois, o Senado.

> Possíveis alterações: Foram apresentadas 571 emendas, muitas delas com assuntos repetidos. O governo precisará negociar para evitar surpresas em plenário.

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Funai, registro sindical e LGBT também em debate

Bruno Góes

Natália Portinari

07/05/2019

 

 

Medida Provisória que redesenhou Esplanada dos Ministérios inclui retornos de órgãos a outras pastas do governo

O senador Fernando Bezerra Coelho (MDBPE) vai apresentar hoje ao menos duas importantes alterações na Medida Provisória que criou o desenho administrativo da gestão Jair Bolsonaro. Estão previstos, em seu relatório, o retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao Ministério da Justiça e a atribuição de cuidar de registros sindicais ao Ministério da Economia.

Ainda não há acordo com o governo sobre os demais pontos que podem ser alterados na MP, e Bezerra, que é líder do governo no Senado, voltará ao Planalto hoje a para fazer os ajustes finais no texto.

Parlamentares também querem que seja revista a atribuição da Secretaria de Governo, comandada pelo general Carlos Santos Cruz, de fiscalizar e monitorar organizações não-governamentais e organismos internacionais e que seja recriado o Conselho de Segurança Alimentar. Eles pedem ainda que seja especificado o órgão responsável por políticas para a comunidade LGBT.

Em alguns pontos demandados por parlamentares, o governo não aceitou ceder, como em reverter a alteração que atribuiu ao Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas. Interlocutores do ministro Sergio Moro afirmam, reservadamente, que ele ficou contrariado por perder a função de fiscalizar registro sindical, mas aceitou.

Há debate no Congresso ainda sobre uma possível recriação da pasta da Segurança Pública, tirando mais uma área do comando de Moro. Apesar de o autor da emenda ser o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), a medida é considerada uma “rasteira” no ministro e, por isso, ainda há debate interno dentro do centrão sobre apoiar ou não a ideia.