Valor econômico, v. 19 , n. 4666 , 11/01/2019. Brasil, p. A9

 

Reescrevendo o futuro do trabalho

Bruno Dobrusin

11/01/2019

 

 

Muito já se escreveu sobre o "futuro do trabalho", e boa parte disso resulta em uma leitura sombria. Um por um, estudos preveem que a automação vai subverter setores econômicos inteiros e deixar milhões de pessoas desempregadas. Um estudo de 2013 de dois professores de Oxford chega a sugerir que as máquinas poderão substituir 47% dos empregos nos Estados Unidos dentro de "uma ou duas décadas".

Conclusões como essas sustentam o discurso de que o futuro será, inevitavelmente, de desemprego. Mas esse ponto de vista é defendido primordialmente pelo setor corporativo e respaldado pelas tendências negativas da chamada "economia do trabalho temporário"; os trabalhadores e sindicatos tiveram papel modesto nas discussões.

Três pressupostos distorcem as projeções do impacto da automação sobre o nível de emprego. Abordar cada um deles é essencial para defender os direitos dos trabalhadores e mudar a direção fatalista do discurso dominante.

Primeiro pressuposto é o de que empregos totalmente automatizados desalojarão trabalhadores no futuro próximo. Essa visão é pouco mais que uma conjectura, e mesmo quem usar os mesmos dados poderá tirar conclusões diferentes. Por exemplo, um estudo da McKinsey, que trabalha sobre os mesmos conjuntos de dados que a pesquisa de Oxford de 2013, detectou que apenas 5% dos postos de trabalho nos EUA poderiam ser totalmente automatizados, mas que cerca de 60% dos empregos americanos poderiam ser parcialmente automatizados. Em outras palavras, a automação não significa que o trabalho humano tem de desaparecer, apenas que ele pode se tornar mais produtivo.

Ao contrário, as tendências atuais chegam até a ressaltar por que é importante democratizar a maneira pela qual a tecnologia é incorporada aos processos empresariais. Quando grandes corporações introduzem inovações para acelerar a produção, como aparelhos para cronometrar o tempo dos trabalhadores de armazéns nas instalações da Amazon -, a consequência inesperada pode ser uma queda da produtividade. Para muitos trabalhadores, a maneira pela qual a tecnologia é adotada pode ser mais relevante do que a própria tecnologia em si.

O segundo pressuposto é o de que a automação não beneficiará a maioria dos trabalhadores. Mas a população e os políticos - e não as máquinas - é que vão determinar qual será a sorte dos trabalhadores. Se aceitarmos o ponto de vista de que a tecnologia vai aumentar a produtividade como um todo (um argumento que continua controvertido, em vista dos baixos níveis de crescimento da produtividade observados nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE - durante os últimos dez anos), os trabalhadores e os dirigentes políticos poderão se concentrar em defender um melhor equilíbrio entre trabalho e outros aspectos da vida. A luta por um expediente de trabalho de oito horas foi travada mais de cem anos atrás, e os espaços criados pela atual discussão permitem negociar uma semana de trabalho mais curta. Alguns sindicatos já estão fazendo isso; outros deverão seguir seu exemplo.

Finalmente, apesar de todo o alarde, a automação não é o problema mais premente para o trabalho. A tecnologia pode ser desestabilizadora, mas as maiores preocupações dos trabalhadores hoje são as que eles sentem mais diretamente: o subemprego, o emprego precário e a estagnação dos salários. De acordo com o "Panorama Social do Emprego Mundial" da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2018, 1,4 bilhão de pessoas no mundo inteiro vivenciam "formas vulneráveis de emprego" no setor informal, comparativamente aos 192 milhões que estão desempregadas.

As novas tecnologias, sem dúvida, estão afetando desfavoravelmente os trabalhadores. Isso sempre foi assim, e as pessoas continuarão a ser deslocadas de um setor da economia para outro. Mas, embora a inovação tecnológica crie novas oportunidades, a atual economia do trabalho temporário, em especial, reflete a maneira pela qual ela pode também enfraquecer os direitos dos empregados e aumentar a insegurança econômica. Os temores dos trabalhadores são reais, e é por isso que o movimento trabalhista tem lutado para defender trabalhadores em situações de vulnerabilidade. Expandir para desestabilizações ligadas à tecnologia o conceito de transição justa defendido pelo movimento sindical internacional, atualmente usado para deslocamentos ligados a problemas climáticos, seria uma inovação valiosa para garantir que a automação não deixe ninguém para trás.

Mas não deveríamos aceitar o discurso angustiado de um mundo sem trabalho. O desenvolvimento tecnológico e econômico são campos controversos, e os sindicatos deveriam se concentrar em contestar os modelos de negócios autoritários que não dão voz aos trabalhadores sobre o funcionamento de suas companhias.

Estão surgindo sinais positivos. A organização trabalhista está crescendo no setor de serviços. Os funcionários estão pressionando por melhores salários em algumas das maiores empresas do mundo. E os trabalhadores dos EUA estão exigindo - e muitas vezes conseguindo - salário mínimo digno.

(...)

Bruno Dobrusin é coordenador da campanha One Million Climate Jobs da Green Economy Network.