O globo, n. 31319, 07/05/2019. País, p. 6

 

Bolsonaro tenta minimizar disputa entre alas do governo

Gustavo Maia

Geralda Doca

João Paulo Saconi

Jussara Soares

Silvia Amorim

07/05/2019

 

 

Em meio a troca de ataques entre militares e grupo ‘ideológico’, presidente diz que ‘melhor resposta é ficar quieto’

No dia em que os recentes ataques virtuais ao ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo, desencadearam uma reação dos militares que ocupam cargos no Executivo, o presidente Jair Bolsonaro tentou dar um fim à disputa entre as alas de seu governo. Ao dizer que “tudo é um time só, não existe grupo de militares nem grupo de Olavos”, o presidente Jair Bolsonaro procurou minimizar a disputa.

—De acordo com a origem do problema, a melhor resposta é ficar quieto. Essa é orientação que tenho falado. Aqueles que por ventura não têm o tato político, estão pagando um preço junto à mídia —disse o presidente.

O tom, porém, subiu novamente de ambas as partes. A insatisfação dos militares foi condensada em uma publicação do general da reserva e ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, que respondeu às críticas do ideólogo de direita Olavo de Carvalho.

Embora sem cargos no governo, dois dos filhos do presidente, Eduardo e Carlos, são expoentes da ala “olavista”. De outro lado, Villas Bôas é o general atuante no Planalto que tem a voz de maior ressonância entre militares da ativa. Ele deixou em janeiro a função de comandante do Exército, e hoje é assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta do também militar Augusto Heleno. Além disso, Villas Bôas é próximo do presidente Jair Bolsonaro, que já lhe fez desagravos públicos.

Reservadamente, integrantes das Forças Armadas admitem que a manifestação dele é um recado direto ao presidente Jair Bolsonaro de que “acabou a paciência” com a guerra promovida na internet pela ala ideológica, com a participação dos irmãos Bolsonaro.

“Mais uma vez, o senhor Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às FFAA, demonstrando total falta de princípios básicos de educação, respeito, humildade e modéstia”, escreveu Villas Bôas.

Em outro trecho, comparou Olavo de Carvalho a Leon Trótski, intelectual de esquerda cujas ideias foram pilares para a implantação do comunismo na Rússia. “(Olavo é) Verdadeiro Trótski de direita, não compreende que substituindo uma ideologia pela outra não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas brasileiros”.

Em resposta, Olavo continuou publicando ataques, agora ao próprio Villas Bôas. Militares argumentam que o ideólogo, que mora há quase 15 anos no exterior, é apenas um desencadeador de crises, ocupando espaço indevido na política do país. Alguns militares defendem que uma reação a Olavo já deveria ter vindo há mais tempo, desde que o escritor passou a atacar o vice-presidente Mourão.

O vice-presidente Hamilton Mourão seguiu a linha do presidente e procurou esfriar os ânimos:

— Eu acho que esses ataques (a Santos Cruz e Villas Bôas) são totalmente sem nexo. Se nós ignorarmos, será melhor para todo mundo.

Carlos se vangloria

O vereador Carlos Bolsonaro tem se vangloriado a aliados por atuar diretamente no processo de “fritura” de Santos Cruz. A um interlocutor, o filho do presidente Jair Bolsonaro disse ter “explodido” o ministro, referindo-se a uma publicação na semana passada no Twitter no qual criticou a comunicação do Palácio do Planalto, área subordinada ao militar.

Em outra conversa, Carlos disse não se importar com a opinião de integrantes do Executivo, que o criticam por desencadear crises no governo. Ele se defende afirmando que está “fazendo o que é certo”, sairá limpo deste processo e que conta com o apoio da militância bolsonarista.

Santos Cruz já estava na mira de Carlos e seguidores de Olavo há mais de um mês. Responsável pela Secretaria de Comunicação (Secom), área de interesse particular do filho do presidente, ele vinha sendo criticado por não ser considerado conservador o suficiente e por estar em rota de colisão com os interesses da ala ideológica.

Neste fim de semana, a guerra ganhou novas dimensões quando a hashtag #ForaSantosCruz se tornou um dos assuntos mais comentados do Twitter.

Ontem, outro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro disse ver com naturalidade a onda de ataques virtuais ao ministro Santos Cruz:

— Todos nós somos reflexo daquilo que falamos. Quem não estiver alinhado com Bolsonaro vai acabar tomando crítica das pessoas que apoiam Bolsonaro.

“A melhor resposta é ficar quieto. É o que tenho orientado, Não existe grupo de militares nem grupo de Olavos, tudo é um time só”

Jair Bolsonaro, presidente

“O sr. Olavo demonstra total falta de princípios de educação, respeito, humildade e modéstia”

Eduardo Villas Bôas, General da reserva, assessor do GSI e ex-comandante do Exército

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Militar demite aliados de Eduardo de agência

Eliane Oliveira

07/05/2019

 

 

Nomeado por Ernesto Araújo, Sergio Segovia, novo presidente da Apex, exonerou diretores indicados por filho do presidente

Em seu primeiro dia como presidente da Agência de Promoção de Exportações (Apex-Brasil), Sergio Ricardo Segovia exonerou do órgão ontem os diretores Márcio Coimbra e Letícia Catelani, respectivamente de Gestão Corporativa e Negócios. Com a destituição dos dois diretores, o novo chefe da Apex, que é contra-almirante da Marinha, procura encerrar uma crise sem precedentes, que culminou com a troca de dois presidentes da agência em menos de cinco meses. Ao mesmo tempo, estabelece um novo capítulo na disputa entre o grupo dos militares e a ala mais ideológica do governo.

Coimbra e Catellani foram indicados pelo chanceler Ernesto Araújo, a quem a Apex está subordinada, com o apoio do deputado Eduardo Bolsonaro. Em poucos meses, eles se desentederam com os dois presidentes anteriores da Apex (Alex Carreiro e Mário Vilalva), que foram demitidos por Araújo. Desta vez, o desfecho foi outro, e Segovia, que até semana passada estava no Ministério da Defesa, prevaleceu.

Segundo fontes, partiu do próprio Ernesto Araújo a ideia de colocar o militar à frente da Apex. A situação da agência preocupava o Palácio do Planalto e gerava críticas dentro do próprio governo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, chegou a defender publicamente a extinção do órgão, que tem um orçamento de quase R$ 1 bilhão em 2019.

—Era como se a situação tivesse fugido ao controle do chanceler — explicou uma fonte da área diplomática.

Antecessor de Segovia, Mário Valalva teve uma sérrie de desentendimentos com os diretores demitidos ontem. Os problemas tinham como pano de fundo divergências sobre a renovação de contratos da agência. Um episódio que agravou a crise foi a instalação de duas portas com controle de pessoas que poderiam acessar as salas de Letícia e Coimbra. Até o presidente da Apex precisava de aprovação para passar pelo local.

A Apex virou objeto de disputa entre militares e a ala ideológica. Os seguidores de Olavo de Carvalho no governo acusavam o ministro Santos Cruz de tentar interferir na Apex. Quando Villalva caiu, a ala ideológica comemorou uma vitória sobre Santos Cruz. Entretanto, um militar acabou nomeado no cargo. Procurado, o Itamaraty não se manifestou.