Valor econômico, v.19 , n.4666 , 11/01/2019. Especial, p.A10

 

América Latina deve acelerar neste ano, porém há riscos

Marsílea Gombata

11/01/2019

 

 

Depois de um 2018 frustrante, a América Latina deve começar a se recuperar em 2019, ainda que a passos lentos e com as três maiores economias da região mergulhadas em incertezas. Enquanto Brasil e México começam o ano com novos presidentes fora do establishment, a Argentina terá pela frente uma eleição apertada, com risco de o presidente Mauricio Macri não se reeleger.

A expectativa é que a região cresça 2,2% em 2019, depois de expandir 1,2% em 2018, segundo projeções do FMI. Essa melhora será puxada pelo Brasil e pela Colômbia. O Brasil deve acelerar de 1,3% para 2,5% em 2019, e a Colômbia pode crescer mais de 3% em 2019. A Argentina, depois de ter no ano passado sua pior crise econômica desde 2001, deve sair de uma contração de 2,6% para outra menor, de 1,6% em 2019.

Já o México deve crescer 2,5%, sempre segundo as projeções mais recentes do FMI. Consultorias, no entanto, não descartam uma desaceleração da economia mexicana em 2019 e estimam crescimento menor do PIB, de 2%.

Os maiores riscos para o crescimento da América Latina no próximo ano são incertezas políticas e um cenário externo turbulento, com desaceleração do crescimento global e tensões comerciais.

"Esses riscos políticos serão importantes em termos de precificação de ativos. Há dois governos antissistema nas duas maiores economias, e uma certa inexperiência no caso do Brasil, o que pode gerar muito ruído até que as expectativas se estabilizem", diz Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs. "Na Argentina, a eleição presidencial de outubro põe em risco o processo de ajuste severo em andamento, com o possível retorno da ex-presidente Cristina Kirchner ao poder."

No caso do Brasil, argumenta Ramos, o maior risco é a governabilidade com o novo presidente, Jair Bolsonaro. Não está claro se o governo terá uma maioria efetiva no Congresso, o que coloca em risco a aprovação de reformas, como a da Previdência.

Carlos de Sousa, da Oxford Economics, acrescenta ainda o risco de a política econômica do novo governo brasileiro não serem tão "market friendly" (pró-mercado) quanto se vende.

No México, a incerteza se concentra em torno da figura do presidente Andrés Manuel López Obrador, que tem assustado investidores e empresários com medidas como o cancelamento do novo aeroporto da Cidade do México.

Em dezembro, o governo mexicano apresentou a proposta de orçamento para 2019. Apesar de o texto falar em superávit primário de 1% do PIB, há um nível de preocupação elevado porque, durante a campanha, houve propostas de expansão do gasto, sem deixar claro de onde sairiam os recursos.

"Reduzir os salários do setor público e a burocracia governamental e combater a corrupção não parece suficiente para uma economia de 2% do PIB como estão prevendo. Os planos são pouco realistas", diz Sousa.

A Argentina, terceira maior economia da região, continuará em recessão em 2019. Espera-se uma queda da inflação, de cerca de 50% para 25%, e um crescimento das exportações com a recuperação do setor agrícola. Mas os gastos dos consumidores só devem se recuperar no último trimestre. Sousa lembra que o programa do FMI cobre as necessidades de financiamento do país até 2019, mas a partir de 2020 o cenário é incerto.

"Se Cristina Kirchner derrotar Macri ou outro candidato de seu partido, esse ajuste para a Argentina se tornar um país mais normal será revertido, e os mercados entrarão em pânico", diz Sousa.

A Bolívia também terá eleições em outubro deste ano. O presidente Evo Morales tenta um quarto mandato e tem como principal rival o ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005), um centrista. No âmbito econômico, a Bolívia tem ido na contramão de seus vizinhos e mantido crescimento acelerado mesmo após do fim do boom das commodities. Em 2019, o país deve crescer 4,2%.

Mas economistas alertam que o problema atual da Bolívia são os déficits gêmeos - fiscal (7,5% do PIB) e de conta corrente (5,3%) - e que o próximo presidente terá de fazer um ajuste fiscal e cambial. Sousa diz que a moeda está sobrevalorizada. Desde 2011, a cotação é de 6,9 bolivianos por dólar, quando o "ideal" seria de 10 bolivianos por dólar, diz.

"Hoje, a economia boliviana está maquiada", afirma Roberto Laserna, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social. "Quem assumir em 2020 terá de ajustar a taxa de câmbio ou deixar que o mercado a ajuste. Se o governo persistir em aumentar os gastos recorrendo ao aumento da dívida, a pressão sobre a taxa de câmbio será maior, o que indica um futuro mais difícil."

Para a Colômbia, este ano deverá ser de recuperação. O país pode crescer mais de 3% pela primeira vez desde 2014. Esse impulso se daria, segundo a Oxford Economics, por investimentos em infraestrutura e cortes graduais nos impostos para as empresas.

O Peru, por sua vez, deverá ser um dos poucos países com crescimento na casa de 4,1% neste ano, graças à melhora na confiança de investidores e empresários e expectativa de políticas pró-mercado impulsionadas pelo presidente Martín Vizcarra.

O Paraguai, que tem sido um dos países que mais crescem na região, deve ter leve desaceleração neste ano. A expansão econômica do país dependerá do crescimento da Argentina e do Brasil, seus principais parceiros comerciais. A perspectiva é que a economia do país cresça 4,1%.

O Chile, após crescimento estimado em 3,9% para 2018, deve desacelerar para 3,4% em 2019. Mas a provável aprovação da reforma tributária, que reduz a carga das empresas, deve impulsionar investimentos, prevê Almanas Stanapedis, da FocusEconomics.

As perspectivas mais sombrias para este ano são para o Equador e a Venezuela. Apesar de ter reduzido o déficit orçamentário, de 4,5% em 2017 para 3% em 2018, o Equador corre risco de ter de pedir socorro ao FMI ainda no início do ano, segundo afirmam economistas.

Para Sousa, o país precisa de US$ 8 bilhões para suas necessidades de financiamento em 2019 e só conseguirá evitar ter de recorrer ao FMI se a China emprestar mais do que os US$ 1,6 bilhão solicitados pelo governo do presidente Lenín Moreno ou se o preço do barril de petróleo se recuperar. Para isso, o barril do Brent teria de chegar a US$ 70, mas a previsão é que o preço médio seja de US$ 63 em 2019. Neste ano, o Equador deve crescer 0,7%, prevê o FMI.

A Venezuela terá sexto ano seguido de recessão em 2019, com previsão de contração de 5% do PIB, diz o FMI, após uma queda do PIB estimada em 18% em 2018. Segundo Ramos, a produção de petróleo, que representa 98% das exportações do país, deverá cair da média de 1,4 milhão de barris/dia em 2018 para um pouco acima dos 800 mil barris/dia. "O acentuado declínio da produção de petróleo limita a capacidade do país de se beneficiar de eventuais altas dos preços internacionais", diz.

Esse cenário, observa um economista que acompanha a situação da Venezuela e prefere não se identificar, indica um caminho complicado para o processo de negociação da dívida externa venezuelana, o que representa uma ameaça aos detentores de bônus soberanos e da petroleira estatal PDVSA.

De modo geral, 2019 trará um cenário externo não muito favorável para a região, diz José Ocampo, da Universidade Columbia. "A taxa de juros dos EUA subirá, e os preços de commodities cairão."

Ramos observa ainda que o fim de 2018 já indicava uma trajetória de desaceleração do crescimento mundial e de tensões comerciais entre China e EUA, que podem prejudicar mais o crescimento da América Latina.

"A maneira mais direta de a guerra comercial impactar a região é no preço de commodities. Se esse atrito comercial levar à desaceleração mais profunda da China, isso vai deprimir o preço das commodities, o que prejudica países exportadores da região", diz. "A outra maneira é se essa tensão levar a uma desaceleração do crescimento dos EUA, cuja relação comercial envolve também manufaturados. Isso poderia afetar, por exemplo, México e Colômbia, que têm posição comercial importante com os EUA."