Valor econômico, v.19 , n. 4666 , 11/01/2019. Especial, p. A10

 

Venezuela dá posse a um presidente ilegítimo

 

 

 

11/01/2019

 

 

 

Quando a Suprema Corte da Venezuela empossou Nicolás Maduro ontem para um segundo mandato presidencial de seis anos, um juiz notável estava ausente. Christian Zerpa, que já foi aliado de Maduro, fugiu do país recentemente. Entrevistado nesta semana na Flórida, o ex-juiz da Suprema Corte classificou o governo de Maduro de "desastroso" e, mais importante, "ilegítimo". É um ponto crucial, do ponto de vista jurídico. EUA, Canadá e a maioria dos países europeus e latino-americanos também não reconhecerão a sua Presidência como legítima.

A Venezuela vive um momento de queda livre social, econômica e política. Suas instituições foram subornadas por Maduro e seu círculo íntimo. A base legal de seu segundo mandato presidencial é a eleição de maio passado, que a maioria do mundo -embora não a Rússia, a China ou a Turquia - declarou como fraudulenta. Como resultado, também seu mandato é fraudulento. A situação, resumindo cruamente, é esta: se Maduro fosse removido do poder, muitas potências internacionais não tratarão a ação como um golpe de Estado, já que nunca reconheceram seu mandato como presidente.

A posse de Maduro marca assim um momento crítico para o país, de isolamento internacional ainda maior. Embora uma intervenção militar esteja praticamente descartada, a atitude dos países vizinhos está endurecendo, especialmente no Brasil, sob o novo presidente de direita, Jair Bolsonaro. É provável que continue a escalada de sanções contra autoridades venezuelanas acusadas de corrupção e violação de direitos humanos.

Também é possível, ainda que extremo, que o governo de Donald Trump proíba empresas americanas de venderem diluentes e outros produtos químicos de que a Venezuela precisa para misturar ao seu petróleo pesado, que de outra forma não seria comercializável. Se isso ocorrer e o país não conseguir achar substitutos em outro lugar, cerca de 300 mil barris por dia, ou um quarto de sua produção atual, seriam afetados. O golpe financeiro seria muito grande, com fortes consequências sociais.

Isso reduziria a ajuda econômica que a Venezuela pode dar a Cuba em troca de inteligência militar. Também ressaltaria os custos para as Forças Armadas da Venezuela de seu apoio continuado ao regime. Até agora, Maduro conseguiu cooptar os generais por meio do clientelismo e da corrupção sancionada pelo Estado. Isso se tornará mais difícil conforme a economia piore, o que é inevitável com ou sem as sanções. A ilegitimidade internacional de seu mandato tirará ainda dos militares o argumento da constitucionalidade, atrás do qual eles se esconderam até agora para justificar seu apoio. Uma transição ao estilo do Zimbábue, via um golpe palaciano, é possível.

Seja o que for que aconteça daqui para a frente, o papel da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, é fundamental. É a única instituição política reconhecida como legítima pela maioria da comunidade internacional. No entanto, para que se torne verdadeiramente efetiva e esteja no centro de qualquer transição, é necessário que a oposição, fragmentada e desorganizada, se unifique. Uma oposição unida, com apoio internacional, terá de se preparar para negociações com representantes do governo - e estar pronta para assumir compromissos e dividir o poder até a realização de eleições livres. Uma saída segura e o exílio para autoridades-chave, embora desagradável, será necessário.

Expectativas semelhantes de transição pacífica já foram manifestadas antes, com frequência. A cada vez, Maduro simplesmente se entrincheirou e reprimiu. Mas hoje a Venezuela - arrasada pela hiperinflação e sofrendo uma crise humanitária e um êxodo de refugiados de proporções bíblicas - está mais frágil do que nunca. Maduro pode sobreviver como um verdadeiro ditador por um tempo. Mas todas as situações insustentáveis acabam, em algum momento. Assim também será com o governo de Maduro.