Valor econômico, v.19 , n. 4667 , 12/01/2019. Opinião, p. A11
A Inovação é Um Gol
David Kupfer
12/01/2019
Nesses tempos de fiscalismo acima de tudo que o Brasil vem atravessando, uma das políticas públicas mais afetadas é o fomento às atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. De fato, nos últimos anos teve lugar uma contração significativa do montante de recursos alocados a essa finalidade. Dado o papel estratégico da inovação na indução do crescimento do PIB e no desenvolvimento econômico, o recuo que vem ocorrendo no Brasil é evidentemente indesejável, mais ainda em um contexto em que outros países, ao contrário, vêm intensificando os seus esforços de P,D&I.
No que tange aos recursos alocados ao apoio à P,D&I empresarial, o quadro de restrição orçamentária e de sucessivos contingenciamentos dos fundos públicos direcionados ao financiamento da inovação vem provocando, além da redução do montante total do fomento, uma importante mudança na sua composição. Desde 2008, o peso relativo das isenções fiscais frente aos subsídios e outras transferências vem aumentando. Assim, em 2015 (último dado disponível na literatura) os primeiros já haviam atingido cerca de 60% do total, significando valores um pouco superiores a R$ 11 bilhões. Tratando-se do primeiro ano do ciclo recente de tentativas de ajuste fiscal, os dados mais atuais, quando disponíveis, irão seguramente mostrar que essa proporção seguiu aumentando desde então.
O cotejamento dos prós e contras dos mecanismos de apoio público à P,D&I empresarial baseados em incentivos fiscais ou subsídios é extenso e difícil. Documento publicado pelo FMI em 2016, que se tornou referência no tema, mostra que são inúmeros os fatores intervenientes, muitos deles, é bom que se diga, de caráter específico a cada sistema nacional de inovação e, portanto, não generalizáveis. O fato de o aumento da importância dos incentivos fiscais na matriz de financiamento à inovação no Brasil coincidir com a tendência internacional não é suficiente para garantir que essa seja a melhor opção para o país.
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Diversos estudos recentes objetivando avaliações mais sistemáticas da efetividade dos mecanismos de financiamento fiscal à inovação no Brasil vem ajudando a colocar alguma luz sobre o tema. De modo geral, os estudos convergem na constatação de dois pontos de atenção. Primeiro, a ampliação do peso das isenções fiscais não provocou adicionalidade, quer dizer, não foi capaz de alavancar gastos privados adicionais. A participação dos gastos privados com P,D&I permanece entre 45 e 50% do total realizado no país, indicando que não houve mudança na propensão a gastar com inovação por parte das empresas. Segundo, os gastos com inovação incentivados por renúncia fiscal costumam se destinar mais a atividades rotineiras como manufatura básica, tecnologia industrial, apoio técnico ou capacitação de fornecedores do que à P,D&I propriamente dita. São, portanto, de menor qualidade em termos dos impactos econômicos provocados.
Se esses estudos estão certos, tem-se na menor efetividade dos benefícios fiscais na indução de atividades de P,D&I uma das possíveis explicações para o aparente paradoxo brasileiro no qual os indicadores de intensidade do esforço tecnológico nacional aumentaram sem se fazerem acompanhar dos esperados ganhos de produtividade e competitividade do país.
Além disso, não se deve esquecer que o idiossincrático sistema tributário brasileiro, fortemente apoiado em impostos sobre produtos e outras bases similares, não é exatamente o mais adequado para a concessão de incentivos à inovação. Somente uma menor parte dos incentivos fiscais podem ser concedidos diretamente como recompensa à realização de atividades inovativas (como é o caso das deduções de IRPJ da Lei do Bem, apenas para empresas no regime de lucro real). A maior parte é endereçada a produtos específicos como no caso da Lei de Informática, do antigo programa Inovar-Auto criado para a indústria automobilística, agora modificado e rebatizado como Rota 2030 e diversos outros regimes tributários especiais. Essa inadequação obriga a exigência de contrapartidas como, por exemplo, a realização de processos produtivos básicos, o que dificulta a operacionalização e o monitoramento da concessão da renúncia fiscal, constituindo mais um fator prejudicial à efetividade do instrumento.
Por fim, pensando prospectivamente, a grande questão é se será possível promover o salto requerido no sistema nacional de inovação com base em um modelo de financiamento fiscal. E a resposta não parece positiva. Cada vez mais a inovação é como um gol. Quem faz o gol? O atacante que põe a bola para dentro? O companheiro que deu a assistência, o jogador que iniciou a jogada? O treinador que definiu a escalação e a estratégia de jogo, a comissão técnica que preparou o time? Pois é, todos eles. Significa isso que as atividades de P,D&I cada vez mais são realizadas em rede (extra-muros). E são conhecidas as limitações do incentivo fiscal na sua capacidade de fomentar esforços de P&D que transcendam os programas convencionais de pesquisa "intra-muros" realizados pelas empresas.
Nesse momento, não é possível encontrar nenhuma indicação de que o novo governo pretende reverter o atual quadro de desfinanciamento enfrentado pelas atividades de P,D&I e, em caso afirmativo, quais seriam as ações tomadas com essa finalidade. Mesmo assim, ou até mesmo por isso, os setores da sociedade, hoje em grande número, que se mobilizam pela inovação no Brasil não podem se limitar a defender apenas a recuperação e ampliação do montante total do gasto com P,D&I. É necessário também avançar na definição do conjunto de instrumentos da política tecnológica mais efetivos diante da realidade nacional. O apoio à inovação por meio de isenções fiscais é evidentemente desejável, mas precisa ser aperfeiçoado a luz da experiência acumulada na sua utilização recente.
David Kupfer é diretor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br. As opiniões aqui expressas são do autor e não da instituição.