O globo, n. 31318, 06/05/2019. País, p. 4

 

Armas carregadas

Jailton de Carvalho

Karla Gamba

06/05/2019

 

 


 Recorte capturado

Bolsonaro confirma liberação para CACs

Quatro meses depois de afrouxar as regras para a posse de armas, o presidente Jair Bolsonaro assina amanhã decreto para facilitar o transporte de armas de fogo e munição por colecionadores, atiradores e caçadores, conhecidos como CACs. Numa declaração na saída do Palácio da Alvorada ontem, Bolsonaro afirmou que os CACs poderão transportar armas carregadas e que não haverá limite para quantidade de munição.

— Vou assinar na terçafeira, às 16h. CAC não vai ter quantidade de munição. Vai poder transportar arma municiada, quebrando o monopólio também — disse o presidente.

Pelas regras em vigor, os atiradores já podem transportar uma arma com munição em um trajeto específico: do local de guarda, em geral a própria casa, ao local de treino ou competição. Não está claro se Bolsonaro vai ampliar de forma geral a permissão para que todos os CACs possam circular livremente armados.

Segundo o Estatuto do Desarmamento, o porte é restrito a categorias específicas, como militares, policiais, juízes e procuradores, entre outros, ou para cidadãos comuns em situações consideradas excepcionais.

Em relação à “quebra do monopólio”, anunciada por Bolsonaro, ainda não se sabe se virá a liberação geral da importação de armas, reivindicação antiga de CACs, entre eles, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Atualmente, a legislação restringe a importação de armas.

O decreto anunciado por Bolsonaro ainda está em fase de ajuste e só deve ser concluído hoje. O texto está sendo costurado com a participação de representantes da Casa Civil e dos ministérios da Justiça e da Defesa. Responsáveis pela elaboração das regras não quiseram responder se os CACs poderão transportar mais de uma arma municiada.

Numa entrevista à TV Bandeirantes, na semana passada, Bolsonaro reafirmou a intenção de afrouxar o máximo possível as regras relacionadas às armas.

—A questão do porte de arma de fogo, sua amplitude maior, passa pelo Parlamento brasileiro. E acho que hoje em dia existe clima para você flexibilizar bastante o porte de arma de fogo —afirmou.

Também no início da semana passada, o presidente fez uma defesa enfática da ampliação do excludente de ilicitude para proprietários rurais que dispararem contra invasores de terras. Pela proposta, que tramita na Câmara, fazendeiros podem matar invasores de suas terras sem sofrerem qualquer tipo de punição. Hoje, este tipo de proteção especial é concedida a policiais que, em determinadas circunstâncias, matam criminosos.

Na entrevista à TV, Bolsonaro usou como exemplo para a concessão do excludente de ilicitude o dono de uma casa que tem o domicílio invadido.

—O cara entrou na sua casa, de noite, você tem que descarregar 15 tiros nele e ponto final. Não tem que discutir mais nada. O que o cara foi fazer na sua casa? Quando isso começar a acontecer, vai acabar a invasão de domicílio —afirmou.

Ainda na semana passada, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que o objetivo do decreto será trazer “maiores facilidades para os usos dos seus armamentos”:

— Existe, na verdade, uma abertura no sentido de disponibilizar a esses colecionadores, atiradores e caçadores maiores facilidades para os usos dos seus armamentos, claramente já cadastrados e identificados dentro dos órgãos definidos.

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Mudança na regra é promessa de campanha

Francisco Leali

06/05/2019

 

 

A mudança nas regras para porte de armas foi uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. O primeiro ato foi o decreto que ampliou prazos e facilitou a concessão de posse de arma para qualquer cidadão. O texto, editado ainda no primeiro mês de governo, não chegou a atender todos os pleitos de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

No decreto de janeiro, os chamados CACs só entraram no texto na reta final e depois de o Comando do Exército emitir parecer contrário à inclusão do assunto, sob argumento de que um decreto não seria instrumento adequado.

O texto estabelecia que os clubes de tiro poderiam fornecer munição a sócios e clientes para uso nos estabelecimentos. A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército não aprovou a versão preliminar do decreto.

“Ressalte-se, ainda, que munição recarregada tratase de questão extremamente sensível, posto que enseja dificuldades em seu rastreamento e não haver previsão legal de marcação”, dizia nota técnica da diretoria do Exército. Na nota, a diretoria declarou que o assunto não deveria ser incluído no decreto que estava sendo elaborado pelo governo. O tema foi mantido na versão final publicada no Diário Oficial, mas com um adendo. O decreto passou a exigir que os clubes de tiro obtivessem do Exército autorização para entregar a chamada “munição recarregada” a seus clientes.

Após a edição do decreto, o Exército entrou em contato com clubes de tiro para informar que o texto editado em janeiro pelo governo não dava autorização para que atiradores, colecionadores e caçadores utilizassem as armas para defesa pessoal. O aviso irritou os CACs que tiveram a solidariedade de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro.

Em fevereiro, via rede social, o deputado publicou a foto do ofício da área militar enviado aos CACs com trechos marcados. “E se o problema for a lei, deixa que a gente tenta alterar, mas vocês não precisam botar em suas portarias normativas que acabam por piorar a vida do atirador. O princípio norteador tem que ser o de dificultar a vida do bandido, não a do CAC”, escreveu o filho do presidente, numa crítica direta ao Exército.

O parlamentar disse ainda que “se bandido cruzar caminho do atirador” haveria duas opções: não reagir e ser assassinado ou reagir e responder a penalidades previstas em regulamentos. “CAC não pode mais ser tratado como bandido @exercitooficial. Escuto muito essa reclamação”, escreveu Eduardo, marcando o perfil do Exército no Twitter.

Levantamento publicado pelo GLOBO em abril mostrou que o número de concessão de registros para caçadores, atiradores e colecionadores de armas de fogo aumento nos últimos cinco anos. Em 2014, foram 8.988. No final do ano passado já eram 87.989. Atualmente, existem 255.402 licenças ativas no país. Essa categoria tem, segundo dados do governo, 350,6 mil armas. Em 2014, eram 227,2 mil.

Hoje, o prazo de registro de um CAC é de três anos. Entre caçadores, colecionadores e atiradores somente esses últimos têm direito de transportar uma arma com munição. Para se obter o registro é preciso seguir o mesmo procedimento adotado para quem tem posse de arma. A pessoa não pode ter antecedentes criminais e precisa comprovar aptidão técnica e psicológica. Os CACs precisam ser filiados a um clube de tiro e frequentar o local para realização de treinos.