Valor econômico, v.19, n.4670, 17/01/2019. Brasil, p. A2

 

Bolsonaro defende Mercosul enxuto e com flexibilidade para novos acordos 

Daniel Rittner 

Fabio Murakawa 

Carla Araújo 

17/01/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro defendeu ontem um Mercosul "enxuto" e com mais "flexibilidade" nas negociações comerciais que forem lançadas pelo bloco.

A ideia, conforme explicaram fontes do governo brasileiro após a declaração feita ao lado do colega argentino, Mauricio Macri, é iniciar um pente-fino nas instituições e nos fóruns regionais criados em governos anteriores.

O Parlasul, o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), o Instituto Social e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos foram algumas das invenções do bloco da virada do século para cá. Com sua declaração ontem, o presidente indicou que está comprometido com a preservação e o fortalecimento do bloco, mas sem tantos "penduricalhos". Seria, na definição de auxiliares, a volta para o Mercosul original e focado em comércio.

No caso das negociações comerciais, a intenção é dar mais liberdade aos sócios para assinar acordos bilaterais. No entanto, isso está sendo cogitado apenas para novas tratativas, como uma eventual negociação com os Estados Unidos. Discussões em andamento serão mantidas do jeito que estão, ou seja, os países do bloco continuarão negociando de forma conjunta. É o caso das discussões com a União Europeia, com o EFTA (Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein), Canadá, Cingapura e Coreia. Se novas frentes forem abertas, só então haveria flexibilidade para cada país determinar qual prazos e grau de abrangência adotaria.

Na semana que vem, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, representantes do Brasil e da Argentina devem ter conversas informais com a UE e verificar a possibilidade de novas rodadas negociadoras no primeiro trimestre. A comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmström, estará nos Alpes suíços e tratará do assunto com ministros do Mercosul.

Na avaliação do governo brasileiro, há chances ainda de um avanço nas discussões com a UE até maio, quando ocorrem as eleições para eurodeputados. O recesso de verão e a troca de comissários devem praticamente paralisar a agenda em Bruxelas nos meses seguintes. Por isso, a esperança de concluir um tratado de livre-comércio entre os dois blocos em 2019 se resume, na prática, às próximas semanas.

O diagnóstico dos dois governos é que o exercício das presidências temporárias do Mercosul por Argentina (primeiro semestre) e Brasil (segundo) abrem uma janela de oportunidade para maior dinamismo nas negociações com Canadá e EFTA - com possibilidades reais de um resultado concreto neste ano.

Em uma declaração conjunta emitida após o encontro dos presidentes, fala-se ainda em uma "revisão" da tarifa externa comum (TEC), que poderia significar redução de alíquotas cobradas sobre produtos importados.

"No plano interno, o Mercosul precisa valorizar sua tradição original. Abertura comercial, redução de barreiras, eliminação de burocracias. O propósito é construir um Mercosul enxuto, que continue a fazer sentido e ter relevância", disse Bolsonaro, no Palácio do Planalto, após a reunião com Macri. "Na frente externa, concordamos que é preciso concluir rapidamente as negociações mais promissoras e iniciar novas negociações, com criatividade e flexibilidade para recuperarmos o tempo perdido", completou.

Do ponto de vista argentino, o sentimento era de alívio. Havia tensão entre ministros do país vizinho sobre o humor e as ideias do novo governo brasileiro sobre a relação bilateral e o Mercosul.

Politicamente, a visita era sensível para Macri. Preparando-se para as eleições presidenciais de outubro, quando buscará um novo mandato, ele ainda teme os efeitos de vincular-se excessivamente a uma nova liderança brasileira que é tida na Argentina como polêmica e bastante conservadora.

Por outro lado, a agenda de segurança e combate à corrupção tem forte apelo no país, e Macri poderia colher potenciais benefícios eleitorais aproximando-se de Bolsonaro. Como calibrar isso é um desafio para o argentino.

Economicamente, turvar a relação com o Brasil seria uma espécie de tiro fatal para a Argentina, já em recessão. A Casa Rosada estima que, para cada ponto de crescimento ou de queda do PIB no Brasil, o país tem uma expansão ou encolhimento de 0,25 ponto percentual como reflexo.

Macri, em tom bem mais incisivo que o de Bolsonaro, aproveitou ainda a oportunidade para repudiar o novo mandato de Nicolás Maduro na Venezuela. (Colaborou Andrea Jubé)