O globo, n. 31317, 05/05/2019. País, p. 4

 

Combate ao crime

Marco Grillo

05/05/2019

 

 

Moro e militares querem turbinar plano de fronteiras

Em articulação com militares que ocupam o primeiro escalão do governo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ser gio Moro, pretende turbinar um plano de integração e contro lenas fronteiras brasileira sevai apresentar à área econômica uma proposta de aporte de R $53,6 milhões para a compra de equipamentos a serem distribuídos emoito estados.

Nal ista, há desde itens mais simples, como aparelhos eletrônicos, até uma aeronave a ser usada para vigiar os limites de Rondônia, rota dos traficantes de drogas que saem da Bolívia. O plano prevê a instalação de escritórios em que todos os órgãos de repressão e controle trabalharão integrados, como Receita Federal, Polícia Federal e Polícia Rodoviária, além do Itamaraty. O primeiro, considerado o projeto piloto, será inaugurado em Foz do Iguaçu (PR) no segundo semestre. Aos técnicos da Receita caberá, já na fronteira, investigar possíveis suspeitos de crimes de lavagem de dinheiro.

A tese de Moro, antes aplicada à Lava-Jato e que hoje dá lastro ao seu plano de segurança pública, é que o rastreamento financeiro é o método mais eficaz de combate ao crime organizado —que tem nas fronteiras o cerne de suas operações. Está na mesa do ministro a minuta de um decreto, a ser apresentado ao presidente Jair Bolsonaro, que organiza a ação dos grupos que trabalharão na fronteira. A expectativa do Ministério da Justiça é que o documento seja editado pelo Planalto ainda no primeiro semestre. A iniciativa integra o chamado Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF), instituído por decreto no fim de 2016, pelo então presidente Michel Temer, e que não foi levado adiante. No ano passado, o então titular do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen, publicou uma portaria com as diretrizes do programa, possibilitando que as ações recebessem uma atenção específica no orçamento deste ano.

O direcionamento de recursos, no entanto, foi tímido: a dotação orçamentária prevista é de R$ 442.500. A nova pretensão orçamentária, da ordem de R$ 53,6 milhões para os 11 estados fronteiriços, esbarra, contudo, na situação fiscal — não há, até o momento, sinal do Ministério da Economia de que o pleito do programa será atendido. O governo federal também desembolsa recursos para as fronteiras por meio do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), destinado apenas às Forças Armadas, que recebeu R$ 310 milhões em 2019. A diferença é que, no Sisfron, apenas os dados das forças são integrados.

Com uma forte retórica de combate à criminalidade, o presidente Jair Bolsonaro incumbiu o ministro Moro de apresentar resultados na área — e a atuação nas regiões fronteiriças é vista dentro do governo como um ponto fundamental. O ministro e o presidente, no entanto, têm tido algumas divergências. Moro afirmou, por exemplo, na última quinta-feira, que é “prematuro” discutir a possibilidade de um excludente de ilicitude para fazendeiros que atirem em invasores, defendida por Bolsonaro três dias antes.

O presidente também já admitiu, por pressão de parlamentares, a possibilidade de tirar o Comitê de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) da alçada de Moro e devolvê-lo para o Ministério da Economia. Deputados e senadores dizem ter maioria para aprovar a mudança em uma medida provisória em tramitação. A proposta de aporte de recursos que deverá ser apresentada ao Ministério da Economia, a que O GLOBO teve acesso, traz uma série de equipamentos que poderão ser usados para a instalação de escritórios ou reforço de unidades policiais já existentes. Há a previsão de compra de viaturas fluviais para monitoramento nos rios do Amazonas; câmeras capazes de pesquisar automaticamente a placa dos carros nos bancos de dados, para checar se são roubados; além de drones, armas e veículos.

Largada

O prognóstico é que a largada da nova fase do programa aconteça no segundo semestre, com a instalação de uma estrutura em Foz do Iguaçu (PR), fronteira com Paraguai e Argentina e rota de contrabando de drogas e armas. No local, vão trabalhar, além de representantes da União e do governo paranaense, integrantes dos governos de Rio e São Paulo—estados onde atuam as cúpulas das principais organizações criminosas. Um dos objetivos é que o banco de dados da Polícia Federal referente a armamentos seja disponibilizado de maneira instantânea, facilitando o trâmite das investigações.

— Para enfraquecer as organizações criminosas, é fundamental fortalecer a fiscalização nas fronteiras. Não adianta só fazer ações em mercados consumidores de drogas e esquecer que o que dá sustentação e poder econômico (às quadrilhas) é o grande volume de drogas e armas que entram pelas fronteiras — diz o coordenador geral de Combate ao Crime Organizado do Ministério da Justiça, Wagner Mesquita. Delegado da Polícia Federal, Mesquita já atuou na delegacia de Foz do Iguaçu e considera que o foco inicial deve ser a repressão ao contrabando:

—O contrabando é que dá esteio para demais mercadorias ilícitas que correm na região. É o contrabando que faz corrupção policial e cria as rotas que depois vão ser usadas para o tráfico de entorpecentes e contrabando de armas. Os estados já começaram a se preparar para integrar o programa. O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), destacou a necessidade de reforçar o trabalho, em função do grande fluxo de pessoas e mercadorias nas fronteiras:

— O objetivo é criar um grande centro de inteligência. Muitas vezes não há um planejamento unificado no controle das fronteiras. No Pará, fronteira com Suriname e Guiana, o governador Hélder Barbalho (MDB) publicou um decreto no fim de abril para organizar a atuação conjunta de órgãos de segurança no estado.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Em meio a derrotas, um afago a militares

Ana Clara Costa

05/05/2019

 

 

Desde que o presidente Jair Bolsonaro decidiu que daria algum crédito aos ataques do núcleo ideológico de seu governo contra os militares, generais do Palácio do Planalto vêm sofrendo uma sequência de derrotas. Foram ignorados nas indicações que fizeram ao Ministério da Educação e à Secretaria de Comunicação, foram contrariados pela decisão do chanceler Ernesto Araújo de demitir o diplomata Mario Vilalva da Apex e viram o principal mentor de seus ataques, o ideólogo de direita Olavo de Carvalho, ser laureado com o mais alto grau da Ordem de Rio Branco, honraria conferida a presidentes, ministros e autores de grandes feitos no Brasil.

Mas como o interesse do núcleo ideológico jaz no discurso, e não no ato de governar, militares têm encontrado algum contento na condução de projetos que classificam como “de Estado”, como é o caso do programa de integração de fronteiras —e que passam ao largo do interesse dos filhos do presidente.

Integrar o trabalho do Exército com o das polícias e da Receita nos 16 mil quilômetros de fronteira é, há muito, um pleito não atendido. Militares alegam que a complementaridade entre os grupos pode solucionar boa parte dos problemas de contrabando nas fronteiras do Sul e do Centro-Oeste, por onde passa a maior parte das drogas e das armas que entram no país.

As rotas que passam pela floresta Amazônica, em locais onde apenas o Exército acessa, são consideradas pelas forças caminhos secundários de ilícitos, pela dificuldade de transporte, grande distância e encarecimento dos produtos. As rotas que passam pelo Paraguai são, segundo eles, as principais redes de escoamento do crime —e é justamente ali que o programa começará a agir.

Outra área que tem servido de alento aos militares é a diplomática. Como o chanceler tem dedicado boa parte de seu tempo a cumprir uma agenda olavista, os negócios têm ficado em segundo plano. Militares estão especialmente interessados na assinatura do acordo que coloca o Brasil como aliado “extraOtan” dos Estados Unidos — que é uma espécie de meio termo entre a posição atual e a condição de aliado membro da Otan.

Nesse posto, o Brasil poderá pleitear compras mais audaciosas de equipamentos de defesa americanos, sobretudo para a Base de Alcântara, e formar parcerias mais vantajosas entre empresas brasileiras do setor que queiram acessar o mercado americano. Tratase de uma agenda pragmática que, até o momento, a ideologia não capturou.