Valor econômico, v.19 , n.4669 , 16/01/2019. Brasil, p. A2

 

Fim do bônus demográfico aumenta urgência por reforma da Previdência

 

 

 

Leila de Souza Lima

16/01/2019

 

 

O desequilíbrio financeiro que põe em risco o pagamento futuro de pensões e aposentadorias no país tende a se agravar com o fim do bônus demográfico e o rápido envelhecimento da população já na próxima década, com altos ou mesmo insustentáveis custos para as gerações futuras. A constatação é do pesquisador Rogério Nagamine, coordenador de Seguridade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em estudo concluído no ano passado.

Se todos os brasileiros de 15 a 64 anos recolhessem ao INSS hoje, haveria 7,5 trabalhadores de 15 a 64 anos para cada idoso de 65 anos ou mais de idade. Em 2060, portanto, a proporção teria caído para 2,3. Mas essa relação não reflete a realidade, explica Nagamine. A perspectiva, mostra estudo do Ipea, é que em cerca de 30 anos haverá mais beneficiários do que contribuintes, se não houver reestruturação vigorosa do sistema.

"Sem mudanças, a situação é essa", diz Nagamine. Os cálculos consideram a dinâmica populacional estimada em 2013 e revisada pelo IBGE no ano passado, mas o pesquisador também tomou como base o número de contribuintes (trabalhadores formais) dado pela Pnad Contínua de 2017. Embora a participação da população idosa seja muito próxima da estimativa anterior - com mudanças sobretudo em fecundidade -, os dados indicam uma contínua e rápida piora na sustentação da estrutura previdenciária. Os números são bem mais preocupantes devido a fatores como inatividade, desemprego e informalidade.

"Nem todos os que têm 15 a 64 anos contribuem, e os benefícios também não se restringem a idosos na faixa de 65 ou mais de idade", ressalta Nagamine. Assim, aponta ele, ao olhar para a situação do mercado de trabalho hoje e para os dados demográficos, vê-se um potencial máximo de contribuintes por beneficiário que nunca será atingido.

"Em verdade, você tem hoje dois contribuintes para cada beneficiário de aposentadorias ou pensões. Chegaremos a um para um, em 2040, e já na década de 2050, a situação será de mais beneficiários do que contribuintes", detalha o economista, reforçando que a reforma deve ser colocada em prática o mais breve possível e, quando aprovada, já estará atrasada.

Ainda que fosse aprovada hoje no Congresso Nacional, o custo do seu atraso tornou-se passivo importante que requer melhor compreensão de medidas que enfrentam grande rejeição da sociedade. Taxação e cortes de privilégios estão entre elas.

O atraso na reforma é um problema também para os Estados. O quadro financeiro estadual é crítico, com orçamentos que não fecham e dificuldades para honrar obrigações. Rio, Rio Grande do Sul e Minas encontram-se em situação de ruína fiscal, e a situação vem se agravando em quase todos os demais Estados, com piora da relação entre ativos e inativos.

Mas extinguir ou até fazer ajustes parciais em regras vigentes, mesmo em face desse cenário, não é algo fácil. "Leva-se tempo para mudar a trajetória das despesas. Você começa, pelos padrões normais, com benefícios novos, por isso é urgente fazer logo. Senão podem haver situações no limite, como quando nem sequer se consegue mais honrar valores e direitos já concedidos, a exemplo do que ocorreu na Grécia e em Portugal", diz Nagamine.

Sempre houve um problema de comunicação à sociedade por parte do poder público sobre origem, extensão e implicações das distorções que impactam as contas da Previdência, enquanto a proximidade da reforma no sistema leva a uma corrida de trabalhadores a postos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para garantir a aposentadoria, mesmo quando o pedágio do fator previdenciário reduz o valor do benefício.

Aos 49 de idade, a matemática Márcia Conilio, de São Paulo, fez essa opção após trabalhar 31 anos no setor bancário. Sem segurança de que obteria o benefício pelo teto da Previdência antes da reforma, deu entrada no pedido de aposentadoria em agosto de 2018. "Fiz isso porque alcancei o tempo de contribuição necessário e não queria me arriscar. Eu estava ansiosa por causa das notícias sobre as mudanças, torcendo para que não passassem antes", conta. Por conta da idade, ela não conseguiu aposentadoria pelo teto, já que, por não cumprir a meta 85/95 (em vigor no ano passado; neste ano já vale a regra 86/96), ela está sujeita ao fator previdenciário, que reduz o valor do benefício. Na época da aposentadoria, Márcia somava 80 dos 85 pontos necessários para obter o teto, no critério que leva em conta a soma da idade com o tempo de contribuição.

Analistas projetam para o futuro próximo cenário bem pior do que o imaginado por Márcia. As previsões incluem corte substancial nos benefícios e até suspensão de pagamentos, tendo como pano de fundo uma economia potencialmente enfraquecida pela precarização do trabalho e pela falta de investimentos.