Valor econômico, v.19 , n.4669 , 16/01/2019. Opinião, p. A9

 

Estimulativa a política monetária?

Braulio Borges

Gilberto Borça Jr.

16/01/2019

 

 

De acordo com o Banco Central (BC), a política monetária doméstica encontra-se, desde o final de 2017, em terreno estimulativo. Contudo, a atividade econômica ainda apresentava, em fins de 2018, uma recuperação bastante tímida.

Levando em conta o fato de que o pico do ciclo recente, medido pelo PIB dessazonalizado, ocorreu no 1T/2014, nota-se que a atividade ainda está, 18 trimestres depois, 5% abaixo daquele nível. Transcorrido tal intervalo de tempo a partir do pico, o padrão médio de todas as recessões desde 1980 sugeriria uma recuperação completa do PIB. Isso vale, inclusive, para as recessões de 1981-83 e 1989-92, que foram tão severas e duradouras quanto a de 2014-16.

Alguns fatores podem ter atrapalhado a recuperação, tais como: 1- os elevados níveis de incerteza em função do processo político-eleitoral; 2- a lentidão da queda dos spreads bancários; 3- a rigidez excessiva das taxas de juros mais longas, mesmo com a Selic em suas mínimas históricas; 4- a letargia do setor de construção, que ainda não parecia ter encontrado seu "fundo do poço" até o final de 2018; e 5- a continuidade do processo de desalavancagem das empresas.

Embora sejam bons candidatos a explicar a lenta retomada da atividade econômica, talvez haja um questionamento adicional pertinente que, recentemente, passou a fazer parte do debate com mais força: quão estimulativa estaria, atualmente, a política monetária doméstica?

 

A resposta a essa pergunta passa, necessariamente, pelo cálculo de uma variável fundamental, que é a chamada taxa de juros neutra da economia brasileira. Quando a taxa de juros real ex-ante está abaixo (acima) da taxa neutra, a política monetária estaria em terreno estimulativo (contracionista), ou seja, atuaria para impulsionar (refrear) a atividade econômica.

A importância da taxa de juros neutra é proporcional à dificuldade de estimá-la. Trata-se de uma variável latente e, portanto, não observável. Há vários métodos de estimação, e seus resultados ainda estão associados a intervalos de confiança razoavelmente amplos.

O BC não divulga suas estimativas da taxa de juros neutra. De tempos em tempos, a autoridade monetária coleta as estimativas do mercado para essa variável, como aconteceu em meados de 2017. Segundo esse levantamento, a Selic neutra real se situaria, à época, em torno dos 5% a.a. no curto prazo, caminhando para 4% a.a. nos anos subsequentes.

Embora haja muita incerteza envolvendo a estimativa da taxa neutra, sua importância prática na economia parece ser evidente no caso brasileiro recente. Além da recuperação atipicamente lenta da atividade, a inflação corrente e as expectativas inflacionárias vêm se mantendo abaixo das metas de forma persistente.

Em 2017, a variação do IPCA se situou em 2,95%, abaixo do piso da meta (que era de 3,0%). Em 2018, mesmo com três choques desfavoráveis expressivos - paralisação dos caminhoneiros, depreciação cambial e alta de combustíveis/energia - o IPCA cheio fechou o ano em 3,75%, bem abaixo do centro da meta (4,5%). Para 2019, os modelos do BC apontam para mais um ano de IPCA abaixo da meta (que cairá para 4,25%), mesmo que a Selic nominal permaneça estável em 6,5% a.a. ao longo de todo ano.

Além disso, as medidas de núcleo de inflação, que captam apenas os efeitos secundários dos choques primários e estão mais correlacionadas à ociosidade da economia, estão correndo abaixo do piso da meta da inflação há quase dois anos, algo que nunca se observou no Brasil desde 1999, quando foi introduzido o regime de metas de inflação. Em 2018, a média das sete medidas de núcleo que o BC disponibiliza encerrou o ano com alta de 2,79%.

Tais constatações, combinadas entre si, sugerem que o estímulo monetário ainda pode ser reforçado. E isso, por sua vez, levanta a possibilidade de que a taxa de juros neutra da economia seja ainda menor, como alguns analistas já vêm sugerindo recentemente.

Dentre os fatores que poderiam ter contribuído para uma queda adicional da Selic neutra, destacam-se, entre outros, o efeito expectacional associado ao teto de gastos, uma expansão mais comedida do crédito direcionado, bem como, conforme destacado por Mário Mesquita (Valor de 06/12/2018), um ambiente internacional de taxas de juros estruturalmente mais baixas e o expressivo processo de bancarização da economia brasileira desde 2004, com elevação da relação crédito livre/PIB.

A combinação de uma possível queda da taxa de juros neutra com lenta recuperação da economia, associada à inflação e às expectativas de inflação abaixo da meta, sugere que a prescrição correta seria elevar os estímulos monetários, com novos cortes na Selic nominal.

(...)

Há um ponto adicional importante a ser destacado nesse contexto e que reforça a argumentação desenvolvida acima. A despeito das incertezas no cálculo da taxa de juros neutra, o gráfico apresenta uma estimativa. Com dados acumulados em 12 meses até o 3T/2018, nota-se que, embora a política monetária possa, de fato, estar em terreno estimulativo, tal estímulo é de magnitude semelhante àquele colocado em prática em 2009, quando, a despeito da crise global, a ociosidade doméstica era bem menor e as políticas fiscal e parafiscal atuaram de forma anticíclica.

Dessa forma, em um contexto caracterizado por uma enorme ociosidade da economia e sem poder contar com os estímulos fiscais/parafiscais de outrora, há elementos para argumentar que a dosagem do estímulo monetário poderia ser mais intensa - mesmo que por alguns poucos trimestres -, de modo a acelerar a recuperação da atividade.

Isso, por sua vez, poderia alimentar um círculo virtuoso na economia brasileira, na medida em que a ampla ociosidade vem atuando como um importante limitador de novos investimentos, além de subtrair cerca de 2 p.p. do PIB de receitas recorrentes do governo geral, atrasando a consolidação fiscal conjuntural. Esse estímulo monetário adicional, por sua vez, precisa ser complementado, o quanto antes, por ações mais estruturais, como a reforma previdenciária e de outros gastos obrigatórios, de modo a dar sustentabilidade à retomada econômica.

 

Braulio Borges é mestre em Teoria Econômica pela FEA/USP, pesquisador-associado do Ibre/FGV e economista-sênior da LCA Consultores.

Gilberto Borça Jr. é mestre em Economia pelo IE-UFRJ.