O globo, n. 31317, 05/05/2019. Mundo, p. 36

 

Venezuela sob o medo

Janaína Figueiredo

05/05/2019

 

 

Aparato repressor nas ruas inibe marchas da oposição aos quartéis convocadas por Guaidó,

A convocação era clara e pedia que todos os venezuelanos levassem uma mensagem aos quartéis da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb). Mas desta vez, em meio a um clima de forte incerteza, com a ausência das lideranças opositoras nas ruas e um aparato repressor ostensivo na cidade, a participação popular foi escassa.

O pedido do presidente da Assembleia Nacional (AN), Juan Guaidó, proclamado por ela “presidente encarregado” do país em janeiro, obteve uma baixa adesão num ambiente que mistura decepção com as últimas ações da oposição e, principalmente, temor pela repressão ordenada pelo governo do presidente Nicolás Maduro. Ontem, O GLOBO percorreu vários pontos de encontro determinados pela oposição em Caracas e constatou que a presença de manifestantes era pouco expressiva. Guaidó pedira a seus seguidores que fossem aos quartéis entregar aos militares um documento reafirmando a oferta de anistia da AN aos que abandonarem Maduro, buscando redobrar as pressões sobre membros da Fanb.

A tentativa de levante da última terça-feira é considerada por analistas, jornalistas e até mesmo algumas fontes opositoras um fracasso. E a tentativa de mobilização de ontem tampouco teve êxito.

Nas ruas e avenidas da capital venezuelana, agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e da Polícia Naciona Bolivariana (PNB) marcaram forte presença, criando um ambiente de medo. Pessoas que costumam ir a marchas opositoras optaram por ficar em casa.

—Não temos condições mínimas de segurança — afirmou a estudante Eugenia Ramírez, de 25 anos, assídua participante dos protestos organizados e liderados por Guaidó. Ontem, Guaidó emitiu um comunicado pedindo aos militares que se ponham “ao lado da mudança democrática”.

Em entrevista ao jornal Washington Post, ele admitiu que errou ao avaliar o tamanho do apoio militar ao levante de terça-feira, que foi sufocado pelo governo. Guaidó reconheceu que esperava forçar a renúncia de Maduro com adesões em massa dos militares, que acabaram não acontecendo.

“Talvez porque ainda precisemos de mais soldados, e talvez porque precisemos de mais funcionários do regime dispostos a apoiar a Constituição”, disse. Guaidó também deixou claro que qualquer eventual intervenção americana deve ser feita em conjunto com forças venezuelanas, e que uma oferta dos EUA nesse sentido seria avaliada pela AN.

Na sexta-feira, Maduro afastou o diretor da PNB, general Carlos Pérez Ampueda, em uma verdadeira caça às bruxas nas forças de segurança. Se opositores estão assustados, o pavor na Fanb, na GNB e na PNB é igual ou maior. Para que Guaidó e o presidente do partido Vontade Popular, Leopoldo López —solto da prisão domiciliar e agora hóspede na Embaixada da Espanha —pudessem fazer a fracassada ação de terça, foi necessária a participação de militares, membros do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) e da GNB.

Telefones vigiados

Desde então, Maduro tem aparecido todo dia rodeado de militares e, em discursos, reitera a palavra “lealdade” cada vez que pode. Ontem, foi ao Centro de Treinamento de El Pao, onde convocou os militares a ficarem alerta “aos traidores”.

Nos quartéis, o monitoramento é permanente, revelou um militar reformado, cujo sobrinho é comandante de um batalhão do Exército.

—Os telefones dos militares são controlados de forma permanente, eles quase não podem falar com suas famílias —contou a fonte. Paralelamente, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, encontrará seu colega russo, Sergei Lavrov, hoje em Moscou. Depois dessa conversa, Lavrov se reunirá com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na Finlândia.