Valor econômico, v.19, n.4670, 17/01/2019. Legislação & Tributos, p. E1

 

Extinção da Justiça do Trabalho não é prioridade para empresas 

Adriana Aguiar 

Beatriz Olivon 

Joice Bacelo 

Laura Ignacio 

17/01/2019

 

 

A ideia do fim da Justiça do Trabalho não é nova, vem desde a década de 90 como a solução para reduzir processos e passivo das empresas. Apesar disso, a bandeira não é abertamente defendida por empresas e entidades que preferem simplificar normas e a relação entre patrões e empregados.

A Confederação Nacional do Transporte (CNT), por exemplo, não é a favor da extinção da Justiça do Trabalho, mas defende o fim do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Assim como a confederação, empresas e entidades de uma forma geral criticam o que chamam de parcialidade dos juízes trabalhistas nos processos.

Clésio Andrade, presidente da entidade, classifica o TST como "tribunal tendencioso". "Até agora o TST não revisou suas súmulas, que vão contra o que diz a lei da reforma trabalhista", afirma. Para ele, o ideal seria que as ações fossem encaminhadas dos TRTs para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que teria uma visão mais ampla da sociedade.

O término da Justiça do Trabalho voltou a ser discutido após o presidente Jair Bolsonaro afirmar em entrevista que este é um tema em estudo pelo governo.

O CEO da Kings Sneakers, rede de franquias de moda streetwear com 51 lojas no país, Igor Morais afirma que para o empresário até pode ser bom o fim da Justiça trabalhista, mas o trabalhador ficará sem ter onde recorrer. Para ele, "os conflitos de interesses entre patrões e funcionários fazem parte do capitalismo".

Ao lembrar que após a reforma trabalhista já houve uma redução no número de processos, Igor afirma que colocar essas causas em outros tribunais poderá fazer com que os litígios demorem ainda mais para serem resolvidos.

Se a Justiça do Trabalho deixasse de existir, as demais receberiam 5,5 milhões de processos, conforme dados do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, Hélio Zylberstajn é contra o fim da Justiça do Trabalho, mas defende que patrões e empregados resolvam seus conflitos na própria empresa, como acontece em outros países. Já há ferramentas para esse fim, segundo ele, estabelecidas pela reforma trabalhista.

Estão previstas, por exemplo, a formação de comissão interna de empregados e a possibilidade de acordo extrajudicial para que as empresas possam colocar isso em prática sem gerar novas demandas no Judiciário. "Se solucionássemos o conflito do trabalho onde ele nasce, a Justiça do Trabalho praticamente deixa de ser necessária", diz. Para o professor, só é preciso garantir a representação legítima dos dois lados.

O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirma que quem mais tem contribuído para que a ideia da extinção volte à tona "são aqueles magistrados e procuradores que resistem ostensivamente à reforma e continuam com seu ativismo Judiciário superlativamente protecionista, desequilibrando as relações laborais". Ele afirma, porém, que esses são minoria na Justiça do Trabalho.

"Penso que esta continuará prestando seus relevantes serviços à sociedade brasileira, especialmente na conciliação de dissídios coletivos, ao evitar no seu nascedouro tantas greves e paralisações que comprometem a economia e o bem-estar da população", afirma o ministro.

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região (Campinas-SP) Jorge Souto Maior afirma que o fim da Justiça do Trabalho não reduziria custos nem melhoraria a economia ao evitar a aplicação dos direitos sociais. "Diante de 12 milhões de desempregados e sem um órgão judicial fiscalizador, as pessoas tenderiam a ganhar menos e a trabalhar sem nenhum tipo de garantia. Assim aumentariam as doenças e acidentes de trabalho, afetando a economia e a Previdência Social".

Segundo Maior, isso aconteceria porque haveria um impacto à concorrência entre as empresas. "A fábrica de copos, por exemplo, que garantir os direitos dos funcionários, mesmo sem Justiça do Trabalho, vai à falência ao concorrer com a outra que terá menos custos e venderá copos por um preço mais baixo ao explorar os trabalhadores sem limites", diz. "Por isso, para sobreviver nesse mercado, sem justiça fiscalizadora, a tendência será a exploração do trabalho".

Além disso, ele acrescenta, acabar com a Justiça trabalhista não seria coerente com a linha de governo de Jair Bolsonaro de valorização da ética no serviço púbico, lembra o desembargador. "A Justiça trabalhista nunca se envolveu em situações que a desconsidere do ponto de vista de instituição pública séria e honesta", diz. "Supondo que o estudo do governo seja levado adiante, é preciso verificar que a Justiça do Trabalho é uma instituição eficiente, sem casos de corrupção no seu histórico".

Uma das primeiras propostas para acabar com a Justiça Trabalhista é de 1997 e tramitou no Congresso pela PEC nº 43, de autoria do senador Leonel Paiva (PFL-DF). No lugar da Justiça do Trabalho, pela PEC, existiria somente uma lei regulamentando a conciliação e o julgamento dos dissídios individuais e coletivos, que seriam remetidos à Justiça comum. A proposta, porém, não seguiu em frente.

O texto original da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que tratou da reforma do Judiciário, também previu o fim do Judiciário Trabalhista, contudo, saiu mais fortalecido. O ministro aposentado e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Carlos Alberto Reis, recorda que foi essa emenda que incluiu o TST como integrante do Poder Judiciário. Para que haja, agora, a extinção da Corte ou do Judiciário Trabalhista como um todo, seria necessária uma nova mudança à Constituição, diz o ministro.

Para ele, o fim da Justiça do Trabalho seria um retrocesso não somente do ponto de vista da organização Judiciária como do valor social do trabalho. "A Constituição Federal tem nos seus princípios fundamentais tanto a livre iniciativa como a consagração dos direitos sociais. Ambos são fundamentos do Estado Democrático de Direito", afirma Carlos Alberto Reis.

O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, afirma que muitos argumentos utilizados pelos que buscam o fim da Justiça do Trabalho não correspondem à realidade. É o caso, por exemplo, daqueles que afirmam que só no Brasil há Judiciário Trabalhista (leia mais abaixo), o que não é verdade, segundo ele. E ainda que o Brasil é o país que possui o maior número de ações trabalhistas do mundo, fala que ele classifica como desprovida de qualquer validade científica. Segundo Fleury, a Espanha é um país com menor população e possui o equivalente à metade das ações trabalhistas que há no Brasil.

O procurador acrescenta que a Justiça do Trabalho está acostumada a promover a "pacificação social", a lidar com greves, por exemplo, e levar a acordos em cerca de 90% dos casos. "Não será benéfico para o empresariado lidar com uma Justiça que não está acostumada com a pacificação social".

Entidades como a CNI, Febraban, Fiesp, CNC e CNA foram procuradas, mas não se pronunciaram sobre o tema. Já uma rede de fast-food, que preferiu não se identificar, afirmou que a ideia de acabar com Justiça do Trabalho é algo que "parece estar tão distante" que sequer existe discussão sobre o assunto dentro da empresa. (Colaborou Zínia Baeta)

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Súmulas do TST são equilibradas entre as partes 

Adriana Aguiar 

17/01/2019

 

 

Das 185 súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que tratam de direito material (sem contar as de questões processuais), 86 atendem à tese dos empregadores, 89 dão interpretação conforme a lei ou seguem a tese dos trabalhadores e 10 atendem em parte a tese dos empregadores e trabalhadores.

O levantamento foi realizado pelo procurador do trabalho do Rio de Janeiro e professor de direito do trabalho e processo do trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo de Lacerda Carelli. Para ele, esses dados desmistificam a tese de que existe uma tendência do TST em julgar a favor dos trabalhadores.

Súmulas são textos que fixam o entendimento do tribunal sobre um determinado tema, após vários julgamentos no mesmo sentido. "Quase metade das súmulas restringem os direitos dos trabalhadores", afirma Carelli.

Para o procurador, também não é verdade dizer que o juiz do trabalho é parcialmente favorável ao trabalhador. Carelli comparou as estatísticas dos Juizados Especiais do Rio de Janeiro - envolvendo casos de consumidor - com a Justiça do Trabalho. Segundo o estudo, nos juizados são procedentes integralmente 5,79% das ações, sendo que na Justiça do Trabalho esse número é de 2%. Nesse sentido, quase três vezes menor, conforme o Relatório Geral da Justiça do Trabalho.

Segundo Carelli, também é mito o discurso de que a Justiça do Trabalho só existe no Brasil. De acordo com o levantamento feito, alguns países de primeiro mundo, possuem uma estrutura semelhante à brasileira, como Inglaterra e Alemanha. A estrutura da Alemanha, por exemplo, é similar: com Cortes de primeira e segunda instâncias e o Tribunal Federal do Trabalho, equivalente ao TST brasileiro.

Outros países como Espanha, França, Bélgica, Itália Israel, Nova Zelândia, Austrália, Suécia, Noruega e Finlândia também estão entre os que têm justiças especializadas na área trabalhista. "O mundo capitalista desenvolvido, com exceção dos Estados Unidos, adota o sistema de Justiça do Trabalho especializada, similar à existente no Brasil. Até porque, é uma forma de resolver esses conflitos existentes e diminuir a chance de paralisações, greves e manifestações", diz.

Nos Estados Unidos, porém, segundo Carelli, existe um Ministério do Trabalho, o "Department of Labor", fortalecido, com orçamento anual de US$ 9,7 bilhões, uma cultura forte de privilegiar acordos coletivos e uma realidade diferente do Brasil em que os empresários costumam seguir as leis trabalhistas.

No Brasil, cerca de 46% das ações trabalhistas são para cobrar verbas rescisórias, segundo o Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Os empresários brasileiros não respeitam nem o que diz o contrato, que dirá a lei", diz.

Além disso, segundo o procurador, também não é verdade que a maioria dos trabalhadores dispensados no Brasil ajuiza ação contra o empregador. Segundo o levantamento realizado, de 2013 a 2015 houve 74.836.000 rescisões de contratos de trabalho formais. Nesse mesmo período foram 7.395.000 ações trabalhistas, o que não chega a 10% do número de trabalhadores que deixaram seus empregos.

"Todas as discussões que têm sido travadas desde a reforma trabalhista não são baseadas em qualquer dado concreto. Não se comparou com o que acontece em outros países, foram fundamentados apenas em preconceitos ideológicos que geraram fake news ou informações falsas", diz. Com base nisso, foi extinto o Ministério do Trabalho. "Somos agora o único país sem Ministério do Trabalho e isso deve gerar inúmeras consequências", diz.