Valor econômico, v.19, n.4676, 25/01/2019. Política, p. A7

 

Decreto de Mourão restringe ainda mais a Lei de Acesso à Informação 

Andréa Jubé 

Carla Araújo 

25/01/2019

 

 

O presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, assinou decreto que altera a legislação do acesso da população a informações do governo federal e amplia o poder de funcionários comissionados de classificar documentos do governo como ultrassecretos - inacessíveis por 25 anos prorrogáveis por outros 25 anos.

O regulamento anterior delegava o poder de classificação ultrassecreta a decisões de apenas cinco grupos: o presidente e o vice-presidente da República, os ministros, os comandantes das Forças Armadas e os chefes de missões diplomáticas e consulares no exterior. Com a nova redação, passam a ter esse poder, também, os diretores de órgãos públicos, autarquias, fundações e empresas públicas. São funcionários comissionados com cargos DAS 101.5 e DAS 101.6 (direção e assessoramento superiores).

Mourão justificou o decreto dizendo que ele "diminui a burocracia" e que é preciso fazer "um balanceamento entre segurança e transparência". Segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro - que estava em Davos - "deu luz verde" para assinatura.

Mourão rechaçou que a medida atente contra a liberdade de informação. Em nota, a Controladoria-Geral da União (CGU) também defendeu que o novo texto não traz efeitos nocivos para a Lei de Acesso à Informação. "Tal assertiva não procede, visto que as mudanças ora propostas têm por intuito simplificar e desburocratizar a atuação do Estado", disse o órgão, destacando que as mudanças são "fruto de intensa discussão, desde 2018, entre a CGU e diversos atores, dentre eles o Gabinete de Segurança Institucional".

A Casa Civil argumentou, por meio do corpo técnico da Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ), que o decreto traz uma espécie de "meio do caminho" em relação à amplitude genérica da LAI e o texto do decreto anterior que, na avaliação deles, era "restritivo". Segundo a SAJ, o atual texto traz uma solução intermediária, que não é nem a vedação do decreto anterior nem a ampla liberdade da LAI. Outra ponderação é que toda decisão sobre classificação de documentos é "revisável e recorrível".

A Lei de Acesso à Informação foi promulgada pela ex-presidente Dilma Rousseff para ampliar a transparência dos atos do governo. Em discurso em 7 de janeiro, Bolsonaro havia afirmado que "transparência" seria a marca de seu governo.

Segundo Mourão, a transparência está mantida porque no Brasil "são raríssimas" as informações ultrassecretas. "Normalmente são planos militares e alguns documentos do Itamaraty e alguns acordos firmados", disse.

A LAI prevê que informações que possam colocar em risco a segurança da sociedade ou do Estado podem ser classificadas reservadas, secretas e ultrassecretas. A CGU realiza um levantamento quantitativo das informações classificadas pelos integrantes do Poder Executivo. Apesar disso, no ano passado, dos 312 órgãos, 176 não disseram à CGU se têm ou não informações ultrassecretas, 133 afirmaram que não possuem e apenas três - Banco Central (39), Universidade Federal do Mato Grosso (3) e Ministério da Indústria e Comércio (1) responderam que possuem esse tipo de documentação.

Nas Forças Armadas, por exemplo, no ano passado apenas o Comando da Marinha prestou contas ao órgão, mas afirmou que não possui nenhum documento ultrassecreto; mas tem 383 secretos e 69.652 reservados. O último dado disponibilizado pelo Comando do Exército e da Aeronáutica data de 2017. Na época, o Exército informou ter 43 documentos ultrassecretos, 853 secretos e 9.321 reservados. Já a Aeronáutica listou 536 documentos secretos, 36.122 reservados e nenhum ultrassecreto.

O decreto causou reação na oposição. O Psol anunciou que vai apresentar ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a medida. "A medida do governo Bolsonaro é mais uma grave afronta ao dever de transparência e ética na gestão pública", afirmou o partido.

O ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, Mauro Menezes, classificou a medida como "deplorável". "O sistema de transparência pública sofre um golpe duro".. (Colaboraram Luísa Martins, de Brasília, e Carolina Freitas, de São Paulo)