Valor econômico, v. 20 , n.4768 , 08/06/2019. Especial, p. A12

 

Desigualdade acompanha expansão do ensino superior

 

 

 

Thais Carrança

08/06/2019

 

 

 

Apesar de o país ter passado em anos recentes por um intenso processo de expansão do ensino superior, a ampliação foi acompanhada por grande desigualdade de classe e gênero e, em menor escala, de raça no acesso aos diferentes cursos e entre instituições públicas e privadas. Assim, embora o diploma universitário traga maiores retornos de renda, essa vantagem salarial é desproporcional entre os diferentes grupos e a educação superior acaba reproduzindo desigualdades anteriores, aponta estudo.

Nos anos 1990, o ensino superior brasileiro dobrou de tamanho, lembram os pesquisadores Flavio Carvalhaes e Carlos Antônio Costa Ribeiro, professores dos departamentos de sociologia da UFRJ e da UERJ, respectivamente. Na década seguinte, o número voltou a dobrar, chegando em 2010 a mais de 6 milhões de matrículas, cerca de um quarto delas em instituições públicas, e o restante, no setor privado.

Com base em microdados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2007, 2008 e 2009, os pesquisadores avaliaram a diferença de acesso a 34 cursos de ensino superior entre ricos e pobres, mulheres e homens e brancos e negros. O resultado foi publicado em artigo na edição de janeiro a abril da revista acadêmica "Tempo Social".

Como seria de se esperar, encontraram que o curso de medicina se destaca em termos de estratificação socioeconômica: pessoas com origem social alta têm quase 15 vezes mais chances de estar no curso do que aquelas de origem baixa, aponta o estudo. Outros cursos que se destacam por concentrarem mais alunos de origem rica são relações internacionais, odontologia, arquitetura, urbanismo e design, e veterinária e zootecnia.

Na outra ponta, pessoas de origem social baixa têm mais chance de acesso a cursos como matemática, geografia, pedagogia, letras e ciências contábeis. São cursos mais voltados à formação de professores ou com ligação mais rápida com o mercado de trabalho.

"Indivíduos de origens sociais diferentes fazem cálculos diferentes sobre suas possibilidades de entrada no ensino superior", diz Carvalhaes. "Eles avaliam seu próprio desempenho educacional e o retorno mais rápido ou lento que uma determinada carreira tem."

Os cursos mais masculinos são engenharia, agronomia, ciências econômicas, teatro e música e estatística. Enquanto os mais femininos, são mais relacionados à docência e ao cuidado, como pedagogia, secretariado, nutrição, fonoaudiologia e serviço social.

Entre brancos e negros, excluído o componente socieconômico, a estratificação é menor, apontam os pesquisadores. Mas há maior presença de negros em cursos como arquivologia e biblioteconomia, serviço social, ciências sociais, secretariado e teatro e música. Enquanto brancos são maioria nos cursos de medicina, odontologia, agronomia, arquitetura e veterinária.

"Existem mudanças intensas acontecendo, mas a expansão não cria oportunidades de uma forma homogênea entre os estudantes de diferentes origens sociais", diz Carvalhaes, lembrando que a ampliação foi feita com recursos públicos, através de políticas como ProUni, Fies e a expansão do ensino federal. "Então saber como essas escolhas são feitas importa."