Valor econômico, v.20 , n. 4678 , 29/01/2019. Brasil, p. A2

 

Plano de Bolsonaro de regular educação domiciliar via MP pode ser barrado no STF

 

 

 

Luísa Martins

Carla Araújo

29/01/2019

 

 

 

Apontada como uma das 35 metas para serem alcançadas nos primeiros cem dias do governo de Jair Bolsonaro, a regulamentação do direito à educação domiciliar por meio de medida provisória (MP) tem chances de ser barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme avaliaram fontes ouvidas pelo Valor.

A ministra dos da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, confirmou que o texto da MP está praticamente pronto e deverá ser encaminhado ao Congresso já em 1º de fevereiro, na retomada dos trabalhos parlamentares. No entanto, tão logo isso aconteça, a oposição deve acionar o Supremo com um mandado de segurança para tentar anular a medida.

O argumento será o de que a MP - que tem força de lei, mas pode perder a validade se não for aprovada pelo Congresso em 60 dias - só é admitida em situações de relevância e urgência, o que não se aplicaria ao caso do ensino domiciliar. O correto, de acordo com fontes, seria tentar implementar a prática por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Se o pedido não surtir efeito e a medida vier a ser de fato legitimada pelo Legislativo, os partidos de oposição devem entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) na Corte. Nesse caso, o plenário decidirá se o ensino em casa viola o artigo 205 da Carta Magna, segundo o qual "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade".

Esse posicionamento foi defendido pela Advocacia-Geral da União (AGU) no governo de Michel Temer. "A Constituição não conferiu aos pais a faculdade de levar ou não os filhos à escola. Foi estabelecido um dever, de frequência escolar, que também deve ser observado pelos pais", observou a então ministra Grace Mendonça. Seu sucessor, André Mendonça, deve arguir em sentido contrário.

A Casa Civil estima que a medida beneficiaria 31 mil famílias que se utilizam atualmente desse modo de aprendizagem. "O que pretendemos é dar uma oportunidade para que a família escolha a opção que achar mais conveniente para os filhos. Ninguém vai obrigar as crianças a deixar as escolas. Simplesmente vamos atender aos anseios de milhares de pessoas que preferem essa modalidade de ensino e que, hoje, não têm respaldo legal para isso", disse Damares ao Valor.

Em setembro do ano passado, o STF decidiu que, por não haver lei regulamentando o tema, a prática do ensino domiciliar não pode ser considerada um meio lícito para que famílias cumpram o dever constitucional de prover a educação dos filhos.

O relator, ministro Luís Roberto Barroso, foi o único a entender que o "homeschooling" era compatível com a Constituição, mesmo sem lei aprovada no Congresso. Ele sugeriu a fixação de critérios como o cadastro, com as secretarias municipais de Educação, das crianças ensinadas em casa e também a aplicação de avaliações compatíveis com as dos alunos que frequentam a escola regular.

Ele, entretanto, foi vencido. O ministro Alexandre de Moraes abriu divergência e foi seguido por sete colegas: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.

Para eles, a validade do ensino domiciliar está necessariamente sujeita à promulgação de uma lei específica sobre a modalidade. Caso contrário, o Brasil teria um quadro de "evasão escolar disfarçada de ensino domiciliar".

Dentro dessa corrente, Fux e Lewandowski afirmaram que, mesmo se houvesse a lei, esta seria inconstitucional. "Não há razão para retirar uma criança da escola oficial em decorrência da insatisfação de alguns com a qualidade do ensino. A solução para a pretensa deficiência seria dotá-las de mais recursos estatais e capacitar melhor os professores", disse Lewandowski.

O ministro também observou que a aprendizagem em casa faria com que a criança fosse criada em uma "bolha", sem contato com ideias divergentes - o que contribuiria "para a fragmentação da sociedade, para a polarização e para o extremismo".