Valor econômico, v.19, n.4677, 28/01/2019. Brasil, p. A2

 

Retomada tem potencial para elevar classe social de 3,9 milhões de famílias 

Bruno Villas Bôas 

28/01/2019

 

 

Se as expectativas sobre a recuperação da economia se confirmarem, 3,9 milhões de famílias podem retornar para classes A, B e C ao longo dos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PSL), no embalo da melhora do emprego e da renda. O cenário é da consultoria Tendências, em estudo obtido pelo Valor.

O estudo mostra que 4,1 milhões de famílias passaram a fazer parte das classes D e E (renda de até R$ 2.370) na fase mais aguda da crise, no biênio 2015-2016. O movimento anulou a ascensão social ocorrida no país de 2005 a 2012, quando o avanço da renda tirou 3,3 milhões de famílias desse piso da pirâmide social.

Iniciada a recuperação da economia, as famílias teriam começado a retornar para degraus mais altos da renda em 2018, processo que pode se acelerar nos próximos anos. O cenário da consultoria prevê que mais famílias passem a integrar as classes C (+1,8 milhão), B (+1,6 milhão) e A (+500 mil) de 2019 a 2022.

Se confirmado o cenário, as classes média e alta (A, B e C) vão representar 47% do total das famílias brasileiras em 2022, fatia maior do que a verificada em 2016 (43%), o pior momento da crise. Mesmo com a recuperação, não volta ao nível de 2014, o período pré-recessivo, quando eram 49% do total.

Para classificar as famílias, a Tendência considerou diferentes faixas de renda para a classe A (superior a R$ 17.795), B (entre R$ 5.715 e R$ 17.795), C (entre R$ 2.370 e R$ 5.715) e D/E (até R$ 2.370). Essas faixas seguem critérios próprios da consultoria, a preços de 2017. Não existe "critério oficial" no país.

O principal vetor para essa ascensão social é o crescimento da economia. Segundo o economista Adriano Pitoli, diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências, o cenário considera crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,4% na média dos quatro anos do novo governo.

"A mobilidade social é muito pró-cíclica. Quando a economia cresce, isso gera efeitos sobre a renda. É algo que demorou para acontecer nos últimos dois anos porque a retomada da economia foi lenta, com as crises do governo Temer, greve dos caminhoneiros, incertezas eleitorais. Mas agora, a expectativa é de uma aceleração", diz Pitoli.

É claro que existem riscos no horizonte. O cenário da consultoria está baseado na aprovação da reforma da Previdência. Surpresas negativas também poderiam atrapalhar, como uma mudança de direção da política econômica. "Bolsonaro é um cristão novo no liberalismo e segue casado com agenda do Paulo Guedes. É preciso continuar assim".

Para chegar aos números, a Tendências considerou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, e da Receita Federal.

Os dados da Receita são importantes no estudo porque famílias mais ricas tendem a declarar renda menor nas pesquisas domiciliares.

Pesquisadores utilizam com frequência a renda familiar como critério para estimar o tamanho das classes sociais. Existem, porém, critérios mais subjetivos sobre o que caracteriza a classe média, comuns entre sociólogos. Por exemplo, capital cultural, nível educacional e mesmo a autoimagem do indivíduo.

Diretor executivo do Plano CDE, Maurício Prado diz que diversas conquistas das últimas décadas não foram perdidas na crise, como melhorias em moradias, posse de bens duráveis e ganhos educacionais. "Mais jovens terminam o ensino médio. No passado, por volta 40% dos jovens classe C, D e E estavam na escola. Hoje são 80% e isso não diminuiu", diz o especialista.

Prado concorda, contudo, que a renda foi uma perda relevante para as famílias durante a crise. Ele acredita em um melhora pela frente. Famílias acompanhadas pela consultoria estão reduzindo endividamento, melhorando a renda. "O Natal foi bom de consumo de supermercados de classes C e D, que voltaram a crescer o consumo de alimentos", diz ele.