Valor econômico, v.19, n.4677, 28/01/2019. Empresas, p. B2

 

Recrutamento no setor público começa a mudar 

Jacilio Saraiva 

28/01/2019

 

 

Aumenta o interesse do setor público em aplicar processos seletivos para cargos de confiança, ao invés das tradicionais indicações políticas. Semelhantes aos recrutamentos usados em grandes empresas, as escolhas incluem análise de currículo e de competências técnicas, além de entrevistas. Em Minas Gerais, São Paulo e no Paraná, secretários de governo, diretores e coordenadores de pastas como desestatização, segurança, educação e saúde já foram nomeados pelo novo método. Gabinetes de deputados e senadores também anunciaram vagas para compor equipes de trabalho via seleção.

Para especialistas em gestão pública, além de promover a participação de mais pessoas sem laços partidários na composição dos times de trabalho, o movimento ajuda a descobrir talentos egressos da iniciativa privada, capazes de agregar novas experiências à área governamental. As baterias de testes também conseguem identificar, com mais eficiência, currículos com conhecimento comprovado para segmentos chave dos governos.

Marco Antônio Teixeira, coordenador do curso de administração pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que a novidade traz vantagens como a priorização do mérito como principal variável na escolha dos nomes. Além de um currículo técnico que mostre sintonia com a cadeira a ser ocupada, os candidatos precisam mostrar habilidades como boa comunicação e saber lidar com o público. "Há cargos que requerem um perfil articulador e capacidade para moderar conflitos", diz. Ter acumulado experiências no setor privado com atividades em governos também é um dos requisitos mais observados nas seleções para cargos de confiança.

É o caso do economista e contador Thiago Toscano, diretor de projetos da SP Parcerias, sociedade de economia mista vinculada à Secretaria de Desestatização da capital paulista. Com especialização em finanças e gestão governamental, além de um mestrado em administração, foi nomeado em maio de 2017, depois de passar por análise curricular e entrevistas. "Ao longo da carreira, procurei trabalhar no setor público e no privado", diz. "É uma mistura muito rica."

Antes de bater ponto na prefeitura paulistana, Toscano já havia sido subsecretário de Planejamento do governo de Minas Gerais e secretário adjunto de Orçamento da Prefeitura de Belo Horizonte. Atuou ainda como consultor para o Executivo do Rio Grande do Norte e na Prefeitura de Porto Alegre, em parceria com entidades como o Banco Mundial. Também foi diretor em indústrias, empresas agropecuárias e no varejo. "Qualquer pessoa que escolhe ir para o setor público deve fazer isso em função de um ideal", diz. "Pode parecer chavão, mas é preciso ter prazer em melhorar a vida das pessoas."

Bruna Eboli, diretora de programas da Vetor Brasil, diz que há uma demanda crescente pela triagem profissional para lideranças nos governos. Criada em 2015, a ONG desenvolve ações de seleção e formação para líderes e trainees em gestão pública. Os recursos para a manutenção da entidade vêm de parceiros como as fundações Lemann e Itaú Social. A Vetor não recebe remuneração dos governos.

Até hoje, já alocou mais de 300 trainees em 120 órgãos estaduais e municipais, para governos liderados por 13 partidos, em todos os Estados e no Distrito Federal. Os trainees compõem os times que executam os projetos em andamento nas pastas. Antes, passam por uma seleção da Vetor e são indicados para os gestores governamentais, que fazem a escolha final e a contratação.

Após a admissão, os aprendizes ingressam em um programa de desenvolvimento, com mais de 200 horas de formação presencial e on-line sobre gestão pública, e passam por sessões de coaching e mentoria. Para participar do recrutamento, é necessário ser graduado ou estar prestes a se formar. Segundo Bruna, os trainees têm idade média entre 25 e 27 anos, 50% são homens e, no último processo seletivo, eram diplomados em quase 200 cursos diferentes, entre ciências humanas, biológicas e exatas.

Nos programas voltados para líderes e currículos mais seniores, a Vetor já ajudou a escolher sete profissionais em cidades como Jundiaí (SP) e São Paulo, para áreas como meio ambiente e planejamento urbano. A primeira experiência de seleção para a alta administração foi para o cargo de secretário de Educação de Londrina (PR), no final de 2016. Recentemente, apoiou a Prefeitura de Santos (SP) na pré-seleção de quatro coordenadores na área de saúde. O processo seletivo recebeu 900 inscrições e durou 11 semanas. Além de uma servidora da secretaria local, foram classificados profissionais de São José dos Campos (SP), do Piauí e da Paraíba, todos nomeados em janeiro.

As escolhas seguem etapas como análise curricular, para checar o alinhamento do candidato à posição, entrevistas por competências, análise de antecedentes e avaliação por profissionais de gestão pública e do departamento da posição desejada. Na prática, diz Bruna, o objetivo é localizar talentos que resolvam os desafios exigidos em cada posição.

Foi o que aconteceu na escolha de Roseli Magalhães Cunha, formada em ciências jurídicas e com MBA em gestão de projetos de base imobiliária. A experiência de mais de 20 anos como executiva em grandes empresas como Deloitte e Inpar, em projetos de consultoria para prefeituras e o governo federal, chamou a atenção dos recrutadores. "Nunca imaginei que seria convidada para participar de um processo seletivo para cargo público via LinkedIn", diz a atual coordenadora de patrimônio imobiliário da Secretaria de Gestão da Prefeitura de São Paulo.

Depois do contato inicial via rede social, as fases de recrutamento de Roseli começaram em janeiro de 2018 e ela assumiu o posto em março. Sua missão é modernizar a coordenadoria de patrimônio, com cerca de 90 colaboradores, e gerir um projeto de cadastramento de mais de 44 mil áreas municipais. "Resolvi me candidatar ao cargo pelo escopo do trabalho e porque ainda seria útil para a minha cidade."