Valor econômico, v.19 , n.4671 , 18/01/2019. Brasil, p. A8

 

A segurança jurídica nos contratos públicos

Cristiana Fortini

18/01/2019

 

 

No Brasil, o mercado das contratações públicas responde por 13% do PIB. Logo, o aquecimento do mercado, por meio da oferta de ambiente mais promissor, passa necessariamente por revigorar a crença de que os contratos com as pessoas que compõem o aparato estatal vale a pena.

A maior pluralidade de operadores favorece a competição, o que é positivo no que toca ao aspecto do preço, e evita que o ente público se torne "refém" de uma empresa ou de um pequeno grupo delas.

O que hoje se percebe é um crescente desinteresse de empresas pelas contratações publicas.

A administração pública brasileira é reconhecidamente mal pagadora. Atrasos são constantes

Empresas cujo elenco de clientes não se resume aos órgãos e entes públicos, considerando a atividade que desenvolvem, cogitam reposicionar suas peças com intuito de escapar das dificuldades diversas que circundam os contratos celebrados com a administração pública.

Entre os maiores focos de reclamação está o chamado risco político.

Contratos não são celebrados com as pessoas dos agentes políticos. Todavia, trocas de chefes do poder executivo são frequentemente fonte de preocupação. Contratos de longo prazo são ainda mais sujeitos aos humores e considerações dos novos(a) dirigentes, que se sucederão enquanto vigente o vínculo.

Evidente que dúvidas reais sobre a licitude da licitação ou de determinada cláusula contratual podem atormentar a pessoa recém empossada. Porém questionamentos que se relacionam às escolhas adotadas pelos antecessores, sem alegação de ilicitude, também são comuns. Incertezas e tensões criam atmosfera de desconfiança e podem minar o interesse por novas contratações.

Assim, não havendo ilegalidade, inexiste espaço para descumprimento do contrato.

O risco político, além de afugentar possíveis interessados, encarece o contrato. Não nos iludamos, as empresas tentam e tentarão blindar-se dos problemas que podem advir. Se se sabem ameaçadas, cuidam, tanto quanto possível, de se proteger, o que implica quase sempre em inserir o "risco" na proposta. Assim, os reflexos da desconfiança reverberam e interferem no comportamento do mercado.

Isso sem falar no fato de que uma sinalização de "descontentamento " por parte do Executivo, quanto ao contrato ajustado em gestões passadas, pode mascarar uma postulação de propina, na lógica do criar embaraço para vender a solução.

Não nos parece faltar regra a coibir comportamentos assim. Afinal, descumprir contrato pode refletir improbidade administrativa, em especial se impuser prejuízos ao erário.

O risco político não é o único.

A administração pública brasileira é reconhecidamente mal pagadora. Atrasos são constantes. De certa forma, pode se atribuir à Lei 8.666/93 parcela de culpa, seja por "autorizar" atrasos até 90 dias, seja pela a ausência de repercussões expressivas para o ente público e para os agentes públicos envolvidos.

O descumprimento da ordem cronológica de pagamentos também não é raro. Trata-se de conduta perniciosa que favorece a corrupção e/ou contribui para desestimular a permanência ou a vinda de novas empresas para o mercado das contratações públicas.

Nesse sentido, importante a última proposta de alteração da Lei 8.666/93

Em primeiro lugar, reduz-se para um mês o atraso do pagamento "tolerado" legalmente.

Em segundo lugar, a inobservância da ordem cronológica, nos moldes do PL, deve ensejar a responsabilização do agente responsável, cabendo aos órgãos de controle a sua fiscalização.

Alterações na ordem cronológica, admitidas em situações taxativamente dispostas em lei, devem condicionar-se à justificativa prévia pela autoridade, a quem caberá comunicar os órgãos de controle interno e externo.

Incidência de juros, diante do atraso, e divulgação mensal da ordem de pagamento, com explicações sobre eventual alteração, são regras que, se espera, constem realmente do texto da nova Lei.

O PL aborda ainda a atuação dos Tribunais de Contas. O risco de interferências externas, vindas do Judiciário ou dos Tribunais de Contas, foi alvo central da mudança operada pela Lei 13.655/18. Apenas para tangenciar o tema, um dos aspectos nevrálgicos a desencadear a lei foram as consequências colaterais das decisões. Entre elas não se pode deixar de apontar a crescente incerteza dos operadores quanto à robustez do pactuado diante do olhar dos órgãos de controle.

Bebendo da mesma fonte, o Projeto de Lei 1292/95 está a prescrever que, ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o Tribunal de Contas deverá definir objetivamente como será garantido o atendimento do interesse público, em se tratando de objetos essenciais ou de contratação por emergência.

Interessante destacar no Projeto de Lei 1292/95 a pretensão de se permitir consulta dirigida aos TCs, destinada a obter posicionamento sobre processo de licitação ou contrato específico. Conhecer previamente o entendimento do órgão de controle interessa aos agentes públicos, aos licitantes ou contratados.

Mesmo que o parágrafo único do art. 139 ressalve que a consulta não traduz prejulgamento e não vincula a decisão a ser adotada pelo consulente, não parece possível penalizar agentes públicos e terceiros por conduta realizada em consonância com a resposta do órgão de controle.

(...)

Cristiana Fortini, sócia do Carvalho Pereira, Rossi Escritórios Associados, é professora da UFMG e professora - visitante da Universidade de Pisa