Correio braziliense, n. 20447, 15/05/2019. Brasil, p. 5

 

Cortes: Câmara convoca ministro

Alessandra Azevedo

Maria Eduarda Cardim

15/05/2019

 

 

Educação » Medida que obriga Abraham Weintraub a comparecer hoje ao plenário da Casa Legislativa foi aprovada, por ampla maioria de votos, um dia antes das manifestações contra o contingenciamento de verbas das universidades federais

A Câmara impôs uma derrota ao governo, ontem, ao aprovar a convocação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, a prestar esclarecimentos ao plenário sobre o contingenciamento de verbas das universidades federais. A sabatina foi marcada para hoje, mesmo dia em que haverá manifestações, em todo o país, contra o bloqueio de recursos das instituições anunciado no mês passado. O pedido de convocação partiu do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e foi aprovado por 307 deputados. Só o PSL, de Jair Bolsonaro, e o Novo foram contra, somando 82 votos. A aprovação foi articulada tanto por deputados da oposição quanto do Centrão.

Parlamentares de oposição comemoraram a decisão do plenário. “Essa reação da quase totalidade dos partidos da Câmara mostra que o Parlamento não ficará parado, assistindo ao desmonte da educação pública superior”, disse o líder da oposição na Casa, Alessandro Molon (PSB-RJ). A líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), afirmou que a convocação “não é agradável, mas é do jogo democrático.” Segundo ela, “o ministro é preparado para falar sobre o assunto”.

Para Carla Zambelli (PSL-SP), a convocação é uma estratégia para adiar votações de medidas provisórias, como a MP 870, da reforma administrativa, que perde a validade em 3 de junho, caso não seja referendada pelo plenário. O parecer aprovado pelos parlamentares retira o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça e o devolve ao Ministério da Economia.

Em meio à tensão política, parlamentares aliados do governo chegaram a anunciar que o presidente Jair Bolsonaro teria desistido dos cortes na área da educação. A medida, porém, foi desmentida pelo MEC, pelo Ministério da Economia e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Não procede a informação de que haverá cancelamento do contingenciamento no MEC. O governo está controlando as contas públicas de maneira responsável”, diz nota da Casa Civil.

Pela manhã, durante café com jornalistas, Wintraub defendeu o bloqueio de verbas, que atinge as despesas discricionárias das universidades, mas não afeta o pagamento de salários de professores e demais funcionários. O ministro, inclusive, não descartou a possibilidade de novos contingenciamentos, caso as receitas do governo continuem caindo.

“Hoje (ontem) eu vou falar com o Paulo Guedes e vou perguntar especificamente sobre isso”, disse o ministro. Hoje, eu não tenho como antecipar. Falei com ele rapidamente ontem e ele me disse para ficar tranquilo”, ressaltou. “As únicas certezas na vida são a morte e os impostos”, completou, ao responder se o MEC estaria blindado. Durante o encontro,  Weintraub voltou a condicionar um futuro descontingenciamento à aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso.

Além de ver na aprovação da reforma uma solução para o bloqueio de repasses para as universidades, Weintraub voltou a questionar se as instituições não podem economizar recursos. “Sempre dá para buscar eficiência. E não estamos falando de nenhuma grande mexida. Estamos falando de pequenas. Eu pedi pra checar e a Polícia Militar de Brasília, por exemplo, topa fornecer segurança para a UnB. Isso gera economia. Esse tipo de atitude é buscar eficiência”, afirmou. O ministro não quis comentar a paralisação das universidades.

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Protesto nas ruas

 

 

 

 

 

Vera Batista

15/05/2019

 

 

 

O prédio do Ministério da Educação (MEC) foi cercado ontem por militares da Força Nacional. A solicitação da segurança extra foi feita pelo próprio MEC, por causa do protesto contra o contingenciamento de R$ 7 bilhões no setor de educação e a reforma da Previdência, previsto para hoje. Os portões de entrada do prédio permaneceram fechados desde o início do dia.

“Temos de estar preparados para evitar qualquer tipo de problema”, afirmou o secretário executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel. “Sempre quando tem uma manifestação, todas as áreas do governo se preparam para evitar dano ao patrimônio e danos às pessoas”, completou.

O secretário de Educação Superior da pasta, Arnaldo Lima,  disse que enviará um comunicado aos reitores das universidades exigindo o funcionamento mínimo das atividades, previsto em lei. “Eu vou mandar um comunicado para os reitores reforçando que é, inclusive, uma determinação legal manter os serviços essenciais, e disso a gente não abre mão. Mas a gente também se coloca do lado da solução, do diálogo”, ponderou.

Ontem, alunos, professores, e funcionários administrativos das universidades e instituições federais de ensino, além de integrantes de centrais sindicais, davam os últimos retoques para o protesto contra o contingenciamento de verbas. Os envolvidos com os atos programados para hoje garantem que o governo vai se surpreender. Jessy Dayane, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), afirma que a expectativa é ambiciosa. “Sem dúvida, será o maior ato desde a eleição, com o envolvimento do conjunto da sociedade. Esse corte coloca em risco a universidade pública, a possibilidade de jovens da educação básica acessar o ensino superior e a acaba com o sonho de uma geração, de estudar em universidade pública, gratuita e de qualidade”, disse.

O cientista político Ricardo Wahrendorff Caldas, da Universidade de Brasília (UnB, atualmente acadêmico visitante da Columbia University), é um dos que duvidam da força e do poder de mobilização dos opositores do governo — tanto nas manifestações de hoje quanto na greve geral marcada para 14 de junho. “Os movimentos de esquerda foram enfraquecidos com o fim do imposto sindical. Não creio que esses protestos sejam suficientes para levantá-los.” Ele lembra que os “indignados perderam nas urnas”. “Em 2018, não apresentaram alternativa convincente para o país. Agora, acho extremamente negativa a tentativa de boicote. É consenso no Brasil que a reforma da Previdência é necessária. O que se discute é qual será ela”, analisa.