O Estado de São Paulo, n. 45997, 24/09/2019. Metrópole, p. A12

 

Dois dias após morte de Ágatha, Witzel defende a política de enfrentamento

Fábio Grellet

24/09/2019

 

 

Violência. Governador do Rio critica suposto uso pela oposição da morte da garota como palanque político e diz que o caso é isolado. Segundo ele, os usuários de drogas são os ‘culpados diretos’. General Mourão, presidente em exercício, põe em dúvida versão da família

Dois dias após a morte de Ágatha Félix, de 8 anos, baleada durante uma operação policial no Complexo do Alemão, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), criticou o suposto uso pela oposição da morte da garota como palanque político, o que classificou como “indecente”. E transformou uma entrevista sobre o caso em defesa enfática da própria política de segurança. Caracterizada por confrontos armados com criminosos, principalmente em comunidades pobres, a ação estimulada pelo governador tem levado a críticas por, frequentemente, envolver mortes de civis.

Witzel afirmou que a morte de Ágatha “foi um caso isolado” e defendeu o enfrentamento. “A política de segurança pública que eu determinei está mostrando resultados favoráveis, está reduzindo os índices de criminalidade, trazendo de volta a paz à população, e nós estamos retomando territórios até então dominados pelo crime organizado”, disse. “Eles (os secretários de Polícia Civil e Militar) estão apresentando resultados nunca antes alcançados. Estou satisfeito, e não há motivo para um fato isolado como esse servir para modificar todo o trabalho realizado”, afirmou. “Nós não temos a menor intenção de parar o que está sendo feito.”

Acompanhado dos secretários da Polícia Militar, Rogério Figueredo, e da Civil, Marcus Vinicius Braga, o governador destacou que a polícia não procura o enfrentamento. “Quem cria (confrontos com a polícia) são as organizações criminosas, que querem parar a segurança pública do Rio de Janeiro. Nós não podemos embarcar nessa canoa furada”, disse. Para Witzel, “sem confronto” os índices de criminalidade não estariam caindo como demonstram as estatísticas do Instituto de Segurança Pública. De janeiro a agosto, o total de homicídios dolosos no Estado recuou 21%, mas a letalidade policial subiu 16%, ante o mesmo período de 2018.

O governador também acusou os usuários de drogas como “culpados diretos” pela morte de Ágatha. “Aqueles que usam a maconha, a cocaína, de forma recreativa, façam uma reflexão, porque você é diretamente responsável pela morte da menina Ágatha”, afirmou. “Você tirou a vida dessa menina, você que dá dinheiro para alimentar esses genocidas que usam de escudo humano as comunidades. Quem fuma maconha, cheira cocaína e usa entorpecentes ajudou a apertar esse gatilho.”

Instado a dar uma mensagem à família de Ágatha, Witzel disse que “não sou um desalmado, sou uma pessoa de sentimentos”. “Mas não é porque nós temos um fato terrível como esse que nós vamos parar o Estado. A gente tem de continuar, ter forças para continuar. Não é porque tem um acidente de carro que nós vamos tirar todos os carros da rua”, comparou. E negou que seja mais brando com policiais que erram do que com criminosos. “Eu não tenho bandido de estimação.”

O presidente em exercício, Hamilton Mourão, também saiu em defesa dos policiais, frisando que o Rio vive em guerra e ainda colocou em dúvida a versão da família de Ágatha. “É aquela história, é a palavra de um contra o outro. E vocês sabem muito bem que nessas regiões aí de favela se o cara disser que foi traficante que atirou (contra a criança), no dia seguinte ele está morto”, disse.

Para o presidente interino, a morte de Ágatha é culpa do narcotráfico. “Eu comandei a tropa que operou no (Complexo do) Alemão e na Maré, e o narcotráfico coloca a população na rua e atira contra a tropa. Então, ele (narcotráfico) coloca em risco a própria gente que habita aquela região.”

Investigação. O titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Daniel Rosa, disse ontem que não há garantia de que o fragmento de bala encontrado no corpo da menina Ágatha aponte para a arma de onde partiu o tiro que a vitimou. Nesta segunda-feira, oito armas de oito policiais militares que faziam patrulhamento no momento do disparo foram recolhidas para perícia. “Com o que a gente tem (fragmento), não sabemos se vamos conseguir efetivamente definir qual calibre de arma partiu.”

Nesta segunda, oito PMs que atuaram na noite de sexta foram ouvidos pelos investigadores – eles chegaram em momentos distintos e não deram declarações. Todos tiveram as armas recolhidas.

Conforme um depoimento do sábado, havia outras duas crianças na Kombi em que Ágatha Félix foi morta. Momentos antes de a menina ser baleada nas costas, elas desembarcaram acompanhadas de um casal. Os tiros que vitimaram Ágatha foram disparados enquanto a família abria o porta-malas do veículo para pegar as bolsas.

Os detalhes foram dados pelo motorista da Kombi, conforme relata o advogado da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) Rodrigo Mondego, que acompanhou o caso na Delegacia de Homicídios. O motorista desceu para ajudar a família, quando viu dois homens sem camisa em uma moto. “A polícia matou um inocente. Não teve tiroteio nenhum. Foram dois disparos que ele deu. É mentira!”, gritava um homem identificado como o motorista no enterro de Ágatha./ COLABORARAM JULIA LINDNER, MARCIO DOLZAN, MARIANA DURÃO e MARCO ANTÔNIO CARVALHO

Responsabilidade

“Aqueles que usam maconha, a cocaína, de forma recreativa, façam uma reflexão, porque você é diretamente responsável pela morte da menina Ágatha.”

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OAB pede à Justiça medidas para 'minimizar danos'

24/09/2019

 

 

A seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) pediu ao procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, a adoção de medidas para minimizar os danos da política de segurança do governo Wilson Witzel (PSC). O documento fala em fim do uso de helicópteros em confronto armado direto e de operações policiais ou incursões em favelas no horários escolar. “É inegável que a política de segurança pública que vem sendo adotada pelo Executivo (...) expressa preocupante desleixo com a vida e as garantias fundamentais da população. Fechar os olhos para esses fatos é permitir o avanço da truculência e o esfacelamento do Estado Democrático de Direito”, diz a petição.

O presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, antecipou que teria um encontro com o procurador-geral para propor ações que barrassem a “política de extermínio de inocentes”. “O que deixa a gente estarrecido é que depois da morte de uma menina de 8 anos de idade o governo do Estado vem a público dizer que vai continuar fazendo a mesma coisa. O que estão dizendo é que amanhã outra Ágatha vai morrer”, afirmou.

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Investigação dos casos com crianças contina sem solução

Caio Sartori

24/09/2019

 

 

Polícia não concluiu investigação nem prendeu ninguém nos homicídios relatados durante ação de agentes

Caso Ágatha. Grupo protestou em frente à Alerj ontem

A Polícia Civil do Rio não concluiu as investigações nem prendeu os responsáveis de nenhum dos cinco casos de crianças supostamente mortas durante ações policiais no Estado neste ano. O assassinato mais recente, da menina Ágatha Félix, de 8 anos, voltou a pressionar as instituições policiais e a gestão Wilson Witzel (PSC).

Procurada para elucidar o andamento das apurações, a Polícia Civil só deu informações específicas sobre as investigações relativas a Jenifer Cilene Gomes, de 11 anos, morta em fevereiro em Triagem, na zona norte do Rio. Segundo a PM, a apuração, diferentemente do que disse a família da jovem, aponta que a bala teria partido de uma troca de tiros entre facções. O caso, porém, ainda está em investigação na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).

Além dela e de Ágatha, três crianças foram mortas por balas perdidas no Rio neste ano. O caso de Kauan Peixoto, de 12 anos, está na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, que “continua investigando o crime”; o de Kauan Rozário, de 11, cabe à 34ª DP (Bangu); e o de Kauê Ribeiro dos Santos, de 12, teve registro feito na 27.ª DP (Vicente de Carvalho).

Os episódios têm em comum o fato de as famílias acusarem a PM de cometer os crimes. “Minha neta estava armada por acaso para poder levar um tiro?”, disse Aílton Félix, avô de Ágatha. A corporação afirma que os policiais militares foram atacados e tiveram de revidar.

Ontem, um protesto contra a política de segurança de Witzel reuniu centenas de pessoas na Assembleia Legislativa do Rio. Tia de Ágatha, Daniele Félix participou do ato. “Estamos aqui para cobrar Justiça. Que este caso não seja mais um na estatística de bala perdida dentro da comunidade”, disse. “Ágatha era uma menina linda de 8 anos que estudou a manhã inteira, foi passear com a mãe à tarde e estava a cinco minutos de casa.”

Ministério Público. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, braço do Ministério Público Federal, encaminhou ontem ao Conselho Nacional do MP e à Procuradoria-Geral de Justiça do Rio um ofício no qual defende a investigação da morte de Ágatha pelo Ministério Público fluminense.

Segundo a Procuradoria, isso atenderia à determinação de que graves violações dos direitos humanos no contexto de intervenções policiais fiquem sob responsabilidade de autoridade judicial ou do MP. / COLABORARAM FAUSTO MACEDO, LUIZ VASSALLO e F.G.

Registros

16

casos de crianças baleadas na região metropolitana do Rio foram registrados só neste ano pela plataforma Fogo Cruzado, que monitora tiroteios na região. Nesse número entram os cinco óbitos em investigação.

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Caso trava projeto que prevê a redução de pena a policiais

24/09/2019

 

 

A morte da menina Ágatha pode encerrar a discussão sobre a excludente de ilicitude no grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime na Câmara dos Deputados. O texto previa reduzir ou até isentar a pena de policiais que causarem morte.

Deputados de oposição, que aceitaram analisar um texto alternativo à proposta do governo, recuaram e vão defender a manutenção da atual legislação. A nova redação que o texto propõe no Código Penal permite que o policial que age para prevenir agressão ou risco de agressão a reféns seja considerado como atuando em legítima defesa. Pela lei vigente, o policial deve aguardar ameaça concreta ou o início do crime para reagir.