O Estado de São Paulo, n. 45997, 24/09/2019. Metrópole, p. A15

 

MEC quer combate à 'doutrinação'

Lígia Formenti

24/09/2019

 

 

Ministério envia ofício a secretarias instituindo o Escola de Todos, com defesa do ‘pluralismo de ideias’ e crítica de ‘propaganda partidária’

Canal com pais e diretores. ‘Não é para pegar professores. É para pegar excessos’, disse o ministro Abraham Weintraub

O Ministério da Educação (MEC) informou ter encaminhado para secretarias municipais e estaduais de educação e para entidades de classe um ofício determinando que as escolas adotem o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e evitem “propaganda político-partidária”. O projeto, que destaca que aos professores cabe “ensinar, não doutrinar”, foi denominado pelo ministério como Escola de Todos.

As diretrizes apresentadas (veja ao lado) pelo governo guardam semelhança com o que é postulado pelo Escola sem Partido – embora o movimento reivindique a existência de uma lei com regras sobre o tema. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que o comunicado tem como objetivo alcançar a cultura de paz na rede pública de ensino. “É um chamamento para ponderar, esvaziar as tensões”, justificou.

Para Weintraub, o texto é claro ao falar da necessidade da existência de um canal para que pais e diretores busquem soluções e para que “excessos de qualquer parte” sejam proibidos. “Não é para pegar professores. É para pegar excessos”, completou. Não haverá fiscalização direta do governo, disse, mas os pais estão convidados a acompanhar de perto o que é ensinado e, caso estejam insatisfeitos, um canal de comunicação estará aberto.

Um dos objetivos do documento é que professores exponham em sala de aula todas as vertentes. “Não é correto puxar para um lado”, frisou o ministro. Questionado se isso deveria ser aplicado a questões como se houve ditadura no País ou se o nazismo era de direita ou de esquerda, o ministro afirmou que caberá ao professor “lecionar, não doutrinar”.

Ele procurou estabelecer relação entre o pluralismo de ideias e a paz escolar. E citou como exemplo um aluno com convicções ideológicas diferentes da maioria dos colegas que teria cometido suicídio. O combate à prática e ao bullying fazem parte da proposta. O ministro procurou afastar, porém, a relação entre o documento e o Escola sem Partido. Esse movimento político foi criado em 2004 no Brasil e divulgado em todo o país pelo advogado Miguel Nagib e tem como foco evitar a “doutrinação em sala de aula”. “O nome do documento é Escola de Todos. Que fique bem claro”, completou. Weintraub não esclareceu se o comunicado abre espaço para eventual proposta de lei sobre o tema. “Queremos uma escola de paz.”

Legislação. Em sua página oficial, o MEC destacou cinco direitos dos alunos, incluindo o de que “professores e comunidade escolar devem respeitar as crenças e convicções do estudante”. Segundo o ministério, o texto não inova, mas deixa claras legislações já vigentes.

Para a presidente executiva do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, “não há nenhum estudo” que mostre existir doutrinação na escola. “A evidência que temos é que a relação aluno e professor é determinante para o aprendizado. E isso pode estar sendo rompido por uma medida sem evidência.” Ela também critica o envio do ofício sem diálogo prévio com municípios e Estados. / COLABORARAM RENATA CAFARDO e FELIPE RESK

PRESTE ATENÇÃO ....

1. O aluno tem direito de não sofrer nenhum tipo de intimidação sistemática (bullying).

2. O aluno tem o direito de que o ensino seja ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber, e no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, resguardadas a liberdade de expressão, a liberdade de cátedra e a tolerância de opiniões.

3. O aluno tem direito de não ser prejudicado, em ambiente escolar, em razão de sua história, de seus saberes, de características que componham a sua identidade, de suas crenças e convicções.

4. O aluno tem direito de não ser submetido, no ambiente escolar e de ensino, à promoção inadequada de comunicação comercial, inclusive publicidade ou propaganda de qualquer natureza.

5. O aluno tem o direito de seguir a religião que esteja de acordo com as suas próprias convicções e de ter assegurado, em ambiente escolar e de ensino, o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil.

6. O direito do aluno de guardar crenças e convicções, desde que não incitem à violência, deve ser respeitado pela comunidade escolar, de forma a se evitar qualquer tipo de constrangimento, ameaça ou violação.

PARA LEMBRAR

Gravação do ‘Hino Nacional’

No início do ano, o então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez enviou uma carta oficial do governo a diretores de escola de todo o País, sugerindo a leitura de um texto com slogan da campanha de Bolsonaro, seguida do Hino Nacional. Os alunos deveriam ser filmados e a gravação, enviada ao MEC. A mensagem causou reação no meio educacional. O Conselho de Secretários Estaduais disse que a recomendação feria a autonomia dos entes da Federação e algumas pastas indicaram que não seguiriam a proposta. Vélez Rodríguez teve de abrir mão do slogan e indicar que gravações “precisam ser autorizadas”. Posteriormente, deixou o cargo.

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Gasto salarial deve cair 70% em universidade

Adriana Fernandes

Julia Lindner

24/09/2019

 

 

O Ministério da Educação (MEC) quer reduzir para 70% o gasto das universidades federais com a folha de pagamento nos próximos dez anos. Hoje, pagar a folha corresponde a 85% do total das despesas. A meta faz parte da estratégia para diminuir despesas com pessoal por meio de mudanças no modelo de contratação de docentes e servidores para o regime CLT. O sindicato dos docentes, Andes, diz que isso vai prejudicar as pesquisas e elevar a rotatividade de profissionais.

Quase metade da força de trabalho na administração federal está nas instituições de ensino. O orçamento para todas as 63 universidades federais em 2019 é de R$ 49,621 bilhões – são R$ 42,3 bilhões com salários.

Ao Estadão/Broadcast, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, antecipou que as universidades que aderirem ao Future-se, ação federal para captar verba privada, “vão ter de passar a contratar via CLT, e não mais via concurso público”. O texto do novo programa, que ainda será enviado ao Congresso, tem sofrido resistência de parte das universidades.

Secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Lima afirmou ontem que a redução de 15 pontos porcentuais nos gastos com servidores e professores representaria a maior reforma do governo, depois da previdenciária. “A CLT é um método, mas não é o objetivo em si. O objetivo é ter uma limitação de despesas com pessoal”, disse ele.

Lima disse que o Conselho Superior das universidades determinará quais serviços poderão ser prestados por funcionários contratados pela CLT. Destacou, ainda, que as contratações terão de ser feitas por meio das Organizações Sociais (OSs) e pelas fundações de apoio.

OS. Segundo ele, a adesão ao modelo das OSs, tipo de associação privada sem fins lucrativos, pode ser feita pelas universidades em parte ou em sua totalidade.

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Ministra Damares denuncia revista por texto sobre aborto

Marco Antônio Carvalho

24/09/2019

 

 

Reportagem da ‘AzMina’ descreve operação de brasileira na Colômbia, onde o procedimento é legal; Abraji critica

Damares. Para ela, material colocaria mulheres em risco

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, classificou uma reportagem sobre aborto como “apologia ao crime” e disse ter dado encaminhamento a uma denúncia para acompanhar o caso. Pelo Twitter, a ministra disse ter sido alertada sobre o assunto e frisou que o conteúdo do material pode colocar meninas e mulheres em risco.

A reportagem foi publicada pela revista AzMina e descreve um aborto legal realizado por uma brasileira na Colômbia, onde o procedimento é legalizado. O material mostra ainda informações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de especialistas sobre o tema, esclarecendo que, no Brasil, o aborto é considerado crime e só há três exceções permitidas por lei: para as vítimas de estupro, quando há risco de vida para a mulher e pela anencefalia do feto.

A publicação traz também informações sobre como o procedimento é feito onde ele é legalizado e os efeitos esperados dos remédios usados para induzir o aborto. A reportagem faz esclarecimentos ao longo do texto que os medicamentos e procedimentos citados não podem ser usados por qualquer mulher nem de qualquer forma.

“O direito d’AzMina de informar está garantido pela liberdade de imprensa e previsto na Constituição brasileira. E é essencial para o funcionamento da democracia. Não cometemos nenhum crime. Só fizemos o nosso trabalho”, declarou o revista em nota publicada em seu site. A publicação lembrou que o Supremo Tribunal Federal analisa uma ação que pede a inconstitucionalidade da criminalização do aborto.

Depois de o material ter sido divulgado, jornalistas da revista relataram ataques em redes sociais. Alguns perfis disseminam a imagem e o perfil da repórter que assina o texto, com comentários sobre sua vida privada e ofensas, segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que se manifestou sobre o assunto.

“A Abraji nunca se manifesta sobre os critérios editoriais dos órgãos de imprensa. A crítica a veículos e jornalistas também deve ser livre. Mas a própria democracia passa a ser alvo quando críticas se transformam em ataques, ainda mais se estes são amplificados por ocupantes de cargos públicos e representantes eleitos”, declarou a entidade. O Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos não se manifestou até 23h30.