Correio braziliense, n. 20447, 15/05/2019. Opinião, p. 11

 

O dia seguinte aos cortes na Universidade de Brasília

Maria Fátima de Souza

15/05/2019

 

 

O Ministério da Educação anunciou que cortará 30% das despesas com água, luz, limpeza, segurança e material de pesquisas das Universidades públicas. Questionado em audiência na Comissão de Educação no Senado Federal sobre os critérios para essa decisão, o ministro disse que “não se trata de corte e sim de contingenciamento”. Isso sim criou ‘balbúrdia’, pois as reações entre a defesa das Universidades e as crenças de ordem pessoal evidenciam um gravíssimo quadro da educação, da creche ao ensino superior.

Sinalizou ainda que os dias porvirem revelam a desvalorização da educação. Sabemos que o crescimento e o desenvolvimento sustentável, só são possíveis pela via do conhecimento, da ciência, dos processos formativos e do acesso às informações. Caso contrário, o encontro intergeracional de saberes será interrompido e os jovens não compreenderão o país em que vivem.

A UnB foi mencionada entre as três universidades afetadas. Visível o desconhecimento da trajetória dessa jovem senhora de 57 anos, marcada por construções e transformações, quando se trata da dependência dos investimentos pelo governo federal. Em vez  de lhe assegurar solidez, puni-a com a perda de R$ 48,5 milhões, comprometendo seu funcionamento.

Àqueles que pouco ou nada sabem sobre a UnB, vale registrar que as funções delegadas por seus fundadores estão sendo cumpridas. Alcançamos o status de uma instituição com 12 institutos, 14 faculdades, entre elas, a de ciências da saúde, da qual fui diretora por quatro anos. Temos ainda 53 departamentos, 16 centros de ensino e pesquisa, 36 núcleos, os hospitais Universitário e Veterinário, quatro bibliotecas, Fazenda Água Limpa e quatro câmpus, entre eles, o de Ceilândia, que ajudei a estruturar.

Crescemos com o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), e hoje, somos 2.557 docentes, 3.198 técnicos administrativos, sem falar nos inativos, ofertando 153 cursos de graduação com 9.878 alunos ingressantes e 5.048 formandos por ano. Com pós-graduações em diferentes áreas, 78 especializações, 89 mestrados, 69 doutorados, ofertamos vagas para outros 4.336 alunos nos mestrados e 3.712 nos doutorados. Na residência médica, temos 253. Ao todo, são 39.624 alunos regulares. Saímos das décadas de 60/70 de 8.700 formados para 58.422. (Anuário, 2018).

Com um robusto acervo da biblioteca de 1.542.738 títulos, contamos com mais de 300 cooperações nacionais e internacionais. Uma comunidade de 53.657, que se reinventa na corajosa aposta de reafirmar o compromisso com a educação promotora do desenvolvimento humano.

Somos a 11ª no Brasil e a 16ª da América Latina, pelo Ranking Times Higher Education (2018). No Ranking Universitário Folha (RUF, 2018), estamos na 9ª melhor posição entre as 196 universidades brasileiras. Entre as federais, estamos entre as melhores do país. Basta entrar nas bases do MEC para verificar o salto de qualidade dos cursos de graduação obtido junto ao Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Para citar somente a FS, todos os seus cincos cursos de graduação são nota cinco.

E se o corte ou contingenciamento anunciado se concretizar, o que fará uma universidade dessa grandeza, com tamanhos compromissos, sem os insumos estratégicos ao seu pleno funcionamento? Certamente, não podemos sucumbir. Explicaremos à sociedade o que significam os cortes nas Universidades, em especial na UnB. Diremos que o projeto ultraliberal do governo passa pela negação do papel estratégico das universidades na formação de um Estado de bem-estar social, pois há um privilégio às forças do mercado e da livre iniciativa. Ou seja, trata o ensino público como mercadoria.

Diremos ainda que a retórica do ministro reafirma a relação direta e interdependente entre a aprovação da previdência e o crescimento econômico; logo, a liberação dos recursos. No entanto, já cortou R$ 2,4 bilhões da educação na básica e R$ 146 milhões das creches, dos R$ 265 previstos no orçamento, do que denominou prioridade de governo, em uma clara premeditação de colocar a população contra as universidades, fora os cortes das bolsas de mestrado e doutorado.

Criou-se na comunidade acadêmica um clima de alta-tensão, com a falácia de que não fazemos ciência, e sim doutrinação em patrulhas pedagógicas. Contudo, essa sensação de incerteza constante, permeada por lutas e conflitos, não tardará a necessidade da união de toda a sociedade em defesa da universidade pública brasileira. (...)

» Maria Fátima de Souza

Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva - Faculdade de Ciências da Saúde da UnB, onde foi diretora. Pós-doutorado pela Universidade do Quebec, em Montreal. E-mail: fatimasousa@unb.br