O Estado de São Paulo, n. 45794, 05/03/2019. Internacional, p. A6

 

Guaidó desafia Maduro, volta à Venezuela e convoca novo protesto

05/03/2019

 

 

Pressão. Líder opositor chega ao país em voo comercial, ignorando o risco de ser preso, convoca manifestação para o sábado e pede às Forças Armadas que se juntem a ele; chavismo evita falar sobre o interino e convida população a comemorar o carnaval

O embate político na Venezuela entrou ontem em uma nova fase após o líder opositor Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino do país, desafiar ordens chavistas e uma possível prisão e voltar a Caracas depois de um giro diplomático por países da América Latina. Guaidó pressionou novamente as Forças Armadas a se juntarem a ele.

Após chegar em um voo comercial, Guaidó desembarcou no aeroporto internacional de Maiquetía, num sinal de determinação do opositor e uma aparente concessão de Nicolás Maduro, já que seria impossível um fugitivo da justiça – como o opositor é considerado – passar pelo controle migratório sem o conhecimento do presidente.

No aeroporto, Guaidó – reconhecido como presidente interino por mais de 50 países, entre eles Brasil e EUA – foi recebido por embaixadores de países europeus e do Chile. Em seguida, ele seguiu para uma praça no centro de Caracas. “Não vão nos deter com ameaças. Aqui estamos mais fortes e unidos do que nunca”, disse em seu primeiro discurso ao regressar, aclamado por centenas de partidários vestidos de brancos e com bandeiras da Venezuela.

Guaidó convocou uma reunião com sindicatos para hoje e um novo protesto nacional para o sábado com a intenção de ampliar a pressão ao chavismo. “Toda a Venezuela volta às ruas. Não ficaremos nem um segundo tranquilos até conseguir a liberdade.” A mobilização contínua nas ruas tem sido pedida pelo presidente interino como forma de manter vivo o movimento opositor e pressionar por uma transição de poder.

A volta de Guaidó à Venezuela pode ser interpretada como um sinal de concessão do chavismo, pressionado por EUA, países europeus e latino-americanos, principalmente depois de impedir a entrada de ajuda humanitária no país a partir de pontos na fronteira com a Colômbia e o Brasil no dia 23 de

fevereiro. Na ocasião, Guaidó desafiou a ordem chavista que o impedia de deixar o país e cruzou para a Colômbia, alegando ter obtido ajuda de militares venezuelanos na fronteira.

Maduro reagiu dizendo que Guaidó deveria “respeitar a lei” e se voltasse à Venezuela “teria de ver a cara” da justiça. O Tribunal Supremo de Justiça é aliado ao governo Maduro e foi quem ordenou o impedimento de saída do líder opositor, congelando seus bens, como parte de uma investigação por “usurpação” de funções.

Ontem, perante a multidão, Guaidó mostrou triunfante seu documento de identidade. “Aqui está meu passaporte, são e salvo”, comemorou. “Bemvindo presidente, disseram-me os funcionários da Imigração, como carinho e respeito.”

Guaidó questionou até quando os integrantes das Forças Armadas do país seguirão apoiando o governo Maduro. “Forças Armadas, o que mais vocês vão esperar? Já viram como mais de 700 oficiais estão do lado da Constituição e há por aí alguns cínicos dizendo que é pouco”, disse Guaidó. “Sabemos que 80% defende a mudança, sabemos disso, eles se comunicaram conosco”, acrescentou.

Após Guaidó ficar mais de uma semana fora e não ter conseguido a entrada da ajuda humanitária havia o medo entre os que pedem o fim do chavismo de que sua liderança fosse contestada e a oposição perdesse força, dividindo-se novamente, como ocorreu nos protestos de 2014 e 2017.

Nesse sentido, a permissão para que Guaidó voltasse pode ser interpretada como estratégia chavista: deixar o movimento opositor esfriar. “Não vamos cair em provocações”, diziam dirigentes do governo durante o fim de semana.

Ontem, pelo Twitter, a única manifestação de Maduro foi convidar a população para aproveitar o carnaval. “Convido a família venezuelana a desfrutar do #CarnavalFeliz2019 e das belezas naturais que nos oferece nossa amada Venezuela.”

Alerta. O vice-presidente americano, Mike Pence, tuitou que “qualquer ameaça, violência ou intimidação contra ele não será tolerada e haverá uma resposta rápida”. “Os EUA celebram o povo da Venezuela por suas ações para criar uma transição democrática pacífica e cumprimentam o presidente interino, Juan Guaidó, por seus esforços diplomáticos bem-sucedidos na região”, disse o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em comunicado./AFP e NYT

Exibição de força

“Aqui está meu passaporte, são e salvo. “Bem-vindo presidente, disseram-me os funcionários da Imigração, como muito carinho e respeito”

Juan Guaidó

OPOSITOR AUTODECLARADO PRESIDENTE DA VENEZUELA

CRONOLOGIA

40 dias de caos político

23 de janeiro

Autoproclamação

Juan Guaidó se declara presidente interino. Venezuela rompe relações diplomáticas com EUA, após Washington reconhecer Guaidó.

26 de janeiro

Oferta de anistia

Opositores oferecem anistia aos militares que se rebelarem contra Maduro.

28 de janeiro

Sanções

EUA sancionam a estatal PDVSA e dão a Guaidó o controle de ativos e contas venezuelanas no país.

29 de janeiro

Proibição

Tribunal Supremo proíbe Guaidó de sair da Venezuela.

1º de fevereiro

EUA dizem que “todas as opções estão sobre a mesa” para restaurar a democracia na Venezuela.

7 de fevereiro

Remédios e alimentos

Carregamento de ajuda humanitária dos EUA chega à cidade colombiana de Cúcuta.

21 de fevereiro

Bloqueio

Governo venezuelano fecha a fronteira com o Brasil.

23 de fevereiro

Choques

Distúrbio na fronteira com Brasil termina com 7 mortos.

28 de fevereiro

Busca de apoio

Guaidó inicia visita a Brasil, Paraguai, Argentina e Equador.

4 de março

Retorno

Guaidó retorna à Venezuela.