Valor econômico, v.19, n.4819, 21/08/2019. Brasil, p. A5

 

Impasse com Paraguai pode levar Itaipu a segurar gasto 

Rodrigo Polito 

21/08/2019

 

 

O impasse entre a Eletrobras e a paraguaia Administración Nacional de Electricidad (Ande) relativo ao contrato de energia da hidrelétrica de Itaipu pode afetar a saúde financeira da usina, se não for equacionado até o fim do ano. O diretor-geral da parte brasileira da Itaipu Binacional, Joaquim Silva e Luna, porém, demonstra otimismo e acredita em uma solução para o caso no curto prazo, sem precisar datas.

"[O impasse hoje] não chega a afetar [a saúde financeira]. Logicamente, se isso prosperar até o fim do ano, vai afetar. Seria como se houvesse um contingenciamento no recurso que está previsto no Orçamento", disse ontem o executivo, em entrevista coletiva. "Quanto mais cedo for resolvido esse problema de contratação, nós teremos saneada a nossa parte. Mas não deixamos de honrar nenhum de nossos compromissos, com relação a royalties, contratos e convênios."

Eletrobras e Ande negociam novos volumes de contratação de energia de Itaipu. A ideia é que cada parte informe adequadamente o volume de energia que pretende utilizar da usina por ano. O Valor apurou que, hoje, sem um contrato em vigor, a Ande declara uma necessidade de energia inferior à necessária e completa sua demanda com a produção excedente da hidrelétrica, cujo custo é mais baixo.

Enquanto as partes não chegam a um acordo, Eletrobras e Ande pagam à Itaipu o valor que julgam ser adequado ao volume de energia que entendem necessitar da hidrelétrica. Com isso, existe um volume de energia controverso referente à usina e que não está sendo faturado.

A companhia evita falar em números, mas estima-se que, do cerca de US$ 1,5 bilhão de faturamento da empresa no primeiro semestre, US$ 50 milhões deixaram de ser pagos devido à controvérsia. Calcula-se que essa fatia em aberto poderá alcançar US$ 130 milhões até o fim do ano.

As partes, porém, já retomaram as negociações. "Aguardamos a decisão e tenho certeza, pelo vínculo que existe entre Brasil e Paraguai, que eles celebrarão [o contrato] no curto prazo. Os entendimentos já foram iniciados. E no curto prazo teremos uma solução", disse Silva e Luna.

O Valor apurou que a proposta da Eletrobras prevê basicamente três pontos: o pagamento pela Ande de quatro parcelas anuais referente a energia que consumiu acima do montante contratado previamente, a inclusão de um gatilho que faça com que a Ande pague um valor a mais sempre ultrapassar determinado patamar da demanda declarada previamente e o ressarcimento à Eletrobras caso a Ande consuma parte da energia contratada pela estatal brasileira.

"A nossa ação é aguardar que as partes responsáveis façam isso. Se precisarem de qualquer tipo de informação de natureza técnica, vão nos consultar", afirmou Silva e Luna. "Nossa missão é produzir o máximo de energia. Quanto mais energia nós produzirmos, mais ganho terão os dois países. Como eles vão fazer para contratar isso aí, eles vão ter que sentar e tomar uma decisão."

Segundo ele, a troca de comando em cargos importantes da administração paraguaia, após o impasse criado em relação a uma ata assinada em maio na tentativa de firmar um contrato que acabou não se concretizando, não afetou a produtividade da hidrelétrica. A usina fechou o primeiro semestre com produção de 50 milhões de megawatts-hora (MWh), volume equivalente a dois terços do total que a usina precisa entregar anualmente (75 milhões de MWh) e está proporcionalmente próximo do recorde registrado em 2006, de 103,1 milhões de MWh.

O diretor disse não acreditar que o atual impasse afete de alguma maneira as negociações relativas ao Anexo C do Tratado de Itaipu. O documento, que trata das bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade de Itaipu, vence em 2023.

"A nossa percepção é que, qualquer que seja a decisão tomada para o Anexo C, em 2023, será um 'ganha-ganha'. A forma de fazer isso será encaminhada." Ele acrescentou que a negociação deverá ser feita com transparência. "A sociedade quer participar disso".

Até 2023, Itaipu espera ter amortizado integralmente a dívida relativa à construção da usina. Para este ano, a empresa prevê pagar US$ 2,1 bilhões, do saldo devedor atual de US$ 5,8 bilhões. O principal credor é a Eletrobras.

Com relação aos planos do governo brasileiro de capitalização e privatização da Eletrobras, Silva e Luna disse que qualquer alternativa que seja proposta e apresentada ao Congresso deverá preservar a natureza de Itaipu. "Isso não vai modificar o espírito e a natureza de Itaipu."

Como Itaipu é constituída por um tratado firmado entre Brasil e Paraguai, a empresa não poderá ter como parte contratante a Eletrobras, se a elétrica for privatizada. Outra empresa que não poderá fazer parte da Eletrobras privatizada é a Eletronuclear, dona de usinas nucleares. A tendência é que as duas empresas sejam segregadas da Eletrobras no processo de privatização.

Sobre os seis meses à frente da segunda maior hidrelétrica do mundo em capacidade instalada, com 14 mil megawatts (MW), atrás apenas da chinesa Três Gargantas (22 mil MW), Silva e Luna destacou que sua gestão é caracterizada pela austeridade e pela eficiência. O executivo, por exemplo, determinou o enxugamento do escritório de Curitiba e a transferência de 120 funcionários da capital paranaense para Foz do Iguaçu. A companhia espera economizar R$ 7 milhões, nos próximos quatro anos, com os cortes no pagamento de aluguel e a manutenção do prédio locado.

O repórter viajou a convite de Itaipu Binacional