Valor econômico, v.19, n.4819, 21/08/2019. Opinião, p. A12

 

Contra a tarifa bancária sobre o uso do cheque especial 

Jairo Saddi 

21/08/2019

 

 

O ilustre economista Rubens Sardenberg, diretor de Regulação Prudencial, Riscos e Economia da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), honra-me com debate público com artigo publicado neste Valor em 24/7/2019, página A-10, a respeito do tema do cheque especial, assunto que pautou minha coluna de junho último (Cheque Especial, 22/24/06/2019, pág. A11). Em síntese, ele alega que minha análise está equivocada tanto na abordagem do volume de crédito ofertado no mercado de cheque especial quanto no nível das taxas de juros praticadas, e discorda da minha opinião sobre a regressividade da suposta tarifa bancária que se pretende implementar para o uso do cheque especial e sobre o impacto da redução do spread bancário do crédito atual.

Sobre a oferta de crédito e a taxa de juros, as discordâncias de Sardenberg são menores e menos reais do que parecem. De fato, o crédito cresce como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), mas é evidente - e fatos notórios não precisam ser provados - que as classes menos favorecidas - C, D e E - não têm qualquer acesso às linhas de crédito automáticas (talvez com a notável exceção de financiamento de veículos usados) e o cheque especial é de fato um dos poucos produtos bancários que os bancos de varejo de fato disponibilizam ao consumidor.

Mas, acima de tudo, há aqui um problema de constituição de garantias a ser salientado - e que as classes menos favorecidas não dispõem - e que faz do cheque especial sem garantias bancárias operação única na praça.

E ele é realmente caro, pelo custo efetivo total de juros, informação disponível a cada transação por força da transparência dada pela Resolução nº 3.517 de 6/12/2007 e que precisa todas as despesas e custos incidentais da operação bancária. Como Sardenberg bem o sabe, o custo é elevado em razão da inadimplência ser alta e a oferta ser baixa, e, apesar de pequeno em volume para o crédito pessoal, as classes mais baixas com limites menores pagam mais pelo seu uso proporcionalmente às suas rendas.

Mas, isto dito, o cerne da discussão não é nem o volume nem a elevada taxa praticada, que, em geral, se admite e se concorda, mas a tentativa de cobrança da tarifa pelo uso do produto.

Prima facie, todos concordam que o volume de cheque especial é pequeno. Se é tão irrelevante assim, por que não acabar com ele? Por que não substituí-lo por uma linha pessoal de crédito de curto ou curtíssimo prazo? Ou então, por que não estabelecer um commitment fee (algo como uma taxa de contratação como se fosse uma assinatura, por exemplo) para aqueles que quiserem uma linha sempre disponível, já que, pelas regras de regulação atual, ele toma capital nos Requerimentos da Basileia?

A ideia de "commitment fee" é melhor ideia conceitual dependente de três características:

a) um valor fixo cobrado ou uma proporção do tamanho da linha de crédito aprovada;

b) cobrança no uso ou na aprovação da linha (independente ou não de uso);

c) preço da linha relacionada ou não ao rating do cliente.

A verdade é que a proposta da tarifa pelo uso é regressiva sim - quem 'entra' no cheque especial em R$ 30 mil paga o mesmo que alguém que use somente R$ 100 - e trata-se de tentativa de compensar a margem dos bancos, que, potencialmente, perderiam receita se o produto deixasse de existir. Se o entendimento for de que a linha terá um custo fixo e cobrado apenas por seu uso, a regressividade fica mais patente e a confusão entre taxa de juros e tarifa bancária se torna muito evidente.

Há uma distinção entre cobrar pelo produto (taxa de juros) e cobrar pelo serviço (tarifa bancária). Não se pode ter os dois, já que, por definição, o que é produto não pode ser, ao mesmo tempo, serviço.

Se, por outro lado, o entendimento for de que o preço da linha será uma proporção do volume aprovado e cobrado na aprovação da linha (independente do cliente usar ou não o rotativo), o argumento da regressividade quanto da confusão entre taxa de juros e tarifa bancária podem perdem força.

Mais: é preciso total transparência. Por exemplo, algumas instituições, por exemplo, oferecem o famigerado "10 dias sem juros" com forte apelo mercadológico - mas o fato concreto é que no 11º dia, aquele que se vale do limite, paga pelo período inteiro, e a juros elevados. E sabe-se que uma alta proporção dos clientes que se valem de tal prerrogativa passam do prazo de carência.

A tarifa pelo uso, que seduz inclusive os mais esclarecidos, é péssima. A própria noção de regressividade implica requisitos de universalidade; vale dizer, todos teriam que pagar independentemente da sua renda, independentemente da sua condição, mas apenas pelo uso.

E, de alguma forma, como afirmei no primeiro artigo, a tarifa é um subsídio cruzado entre bons e maus consumidores, já que, ao recompor a margem, permite que os bancos mantenham a mesma lucratividade, penalizando assim aqueles que mais usarem o produto. A noção de que a sistemática atual traz custos aos bancos também não se sustenta, na minha opinião.

A tarifa é antipática e regressiva, o produto é malposto e implantar novas tarifas não contribui para reduzir custos de intermediação financeira entre nós, objetivo que Sardenberg (e a Febraban) subscrevem integralmente.