Valor econômico, v.19, n.4819, 21/08/2019. Legislação & Tributos, p. E2

 

Interminável disputa tributária?

Tércio Chiavassa 

Lívia Barbieri Nottoli 

21/08/2019

 

 

A insistência da Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN) em sua tentativa de fazer prevalecer o entendimento de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é o ICMS recolhido (e não o ICMS destacado na nota fiscal) ganhou novo capítulo e uma face do tema pode ser levado a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito de recursos repetitivos.

É mais um ato da dramática disputa tributária iniciada há mais de 20 anos e concluída em março de 2017, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento do RE 574.706/PR e definiu que "o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins", sob o fundamento de que esses valores não se incluem na definição de faturamento.

Vale lembrar que a PFN apresentou embargos de declaração no leading case, em que também pleiteia esclarecimento sobre esse ponto aos ministros do STF.

O segundo ato deste enredo é a tentativa da PFN de incluir essa discussão específica na maioria dos processos que ainda tramitam no Judiciário.

A ficção defendida pela PFN não se sustenta. É preciso aceitar a lógica de que os contribuintes pleitearam a exclusão do ICMS que compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, qual seja, o ICMS destacado na nota fiscal e o STF, por sua vez, concluiu que todo o ICMS antes incluído nas bases dessas contribuições deve ser excluído.

No entanto, a atuação recalcitrante da PFN pode ter como resultado até mesmo uma controvertida análise do STJ sobre a questão, já que a matéria é de natureza constitucional. Recentemente, diante da multiplicidade de recursos sobre o assunto, a Comissão Gestora de Precedentes do STJ, propôs a afetação de quatro recursos como representativos de controvérsia e que poderão ser levados a julgamento.

Aliás, tal argumento lançado pela PFN encena uma deformada pugnacidade. Em momento algum, no passado, houve qualquer recomendação da Receita Federal do Brasil para que os contribuintes incluíssem apenas o valor do ICMS pago nas bases de cálculo de Cofins e PIS. Ou seja, depois de tantos anos se beneficiando do recolhimento indevido agora pretendem adotar argumento contraditório com a prática que foram coniventes no passado e que os favorecia.

É fato que a possibilidade desse julgamento gera desconforto. Ainda que se considere que a decisão do STF não tenha sido suficientemente clara quanto ao ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, o que não concordamos, é notório que qualquer elucidação sobre esse tópico somente poderia ser feita pelo próprio STF.

Nessa linha de raciocínio, o exame do assunto pelo STJ não nos parece prudente e de cabimento questionável, na medida em que o tema envolve matéria estritamente constitucional, que já é objeto do recurso (embargos de declaração) apresentado pela PFN no RE 574.706/PR justamente para essa finalidade, e que pode ser julgado a qualquer momento.

Com efeito, a definição da controvérsia sugerida pelo STJ encontra total identidade com a matéria objeto dos aclaratórios do RE 574.706/PR. Nesse aspecto, vale notar que semelhante e correta opinião foi dada pelo Ministério Público Federal (MPF) em dois dos recursos qualificados como representativo de controvérsia, ao afirmar que o tema é constitucional.

Por essas razões, sendo tema de natureza constitucional, acreditamos que o caminho natural seria o não cabimento de recurso especial. Afinal, qualquer posição diferente atrairia ainda mais incertezas. E seria um adeus à segurança jurídica conquistada após 20 anos de discussão!

O histórico acima nos faz concluir que, embora vitoriosos, a realidade enfrentada pelos contribuintes é desgastante, diante da atuação da PFN com o objetivo de restringir o alcance da decisão do STF. Todavia, a exacerbada combatividade da PFN não exterioriza nada além do seu inconformismo com o resultado do julgamento do RE 574.706/PR.

A série não se encerra com esse capítulo, mas é sempre bom lembrar que o STJ já editou no passado uma súmula sobre esse mesmo tema, em que definia essa mesma tese de forma contrária aos contribuintes, posteriormente revertida em 2017 pelo STF no leading case do tema. Mais recentemente, mas ainda antes da decisão do leading case, houve recurso representativo de controvérsia que foi novamente decidido no mérito de forma contrária aos contribuintes. Portanto, parece-nos que o caminho natural seria apenas declarar que a matéria é constitucional, evitando o risco de termos novamente decisões conflitantes do sobre o mesmo tema.