Correio braziliense, n. 20449, 17/05/2019. Política, p. 3

 

A volta do parlamentarismo branco

Rodolfo Costa

Bernardo Bittar

17/05/2019

 

 

Poder » A falta de articulação política, que culmina em derrotas no Congresso Nacional, faz o governo perder força no Legislativo. Parlamento impulsiona agendas próprias para assumir protagonismo em relação ao Executivo

A falta de articulação do presidente Jair Bolsonaro com os parlamentares fez com que o governo perdesse força no Legislativo em um nível que não se observava desde o segundo mandato da então presidente Dilma Rousseff (PT). Em menos de cinco meses de gestão, o governo amarga série de derrotas no Congresso e enfrenta dificuldades até para aprovar decisões inerentes ao presidente da República, como as alterações na Esplanada dos Ministérios.

O contingenciamento de recursos da Educação, a resistência em mudar a articulação política e o bate-cabeça no próprio governo, que não consegue alinhar as ideias entre o presidente e seus ministros, atrapalharam o trânsito do Planalto no Congresso e comprometem os diálogos pela aprovação da reforma da Previdência.

Diferentemente do último governo petista, o clima não é de propor o impeachment de Bolsonaro, mas o Congresso planeja impulsionar agendas próprias, como forma de assumir um amplo protagonismo na comparação com o Executivo. Parlamentares vão reforçar a Bolsonaro a ideia de que ele é mais dependente do Legislativo do que o contrário.

A reforma tributária que a Câmara vai discutir será a primeira grande modernização que o Legislativo vai propor. Depois, virão esforços concentrados na reforma política. Simultaneamente, será discutida a reforma da Previdência, de Bolsonaro. No entanto, sem articulação, o governo não conseguirá aprovar a proposta enviada. No atual momento, será avalizada a matéria que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com apoio do Centrão, quiser.

Três “pontes” unem o Planalto ao Congresso. Uma delas é trafegada — com divisão — pelo PSL, partido de Bolsonaro. Outra está em meio ao fogo cruzado envolvendo o governo e o Centrão, com PP, PRB e PR, além de MDB, DEM e PSD na retaguarda estratégica do conflito. A terceira, uma via marginal que conectava à ponte do PSL, foi implodida na terça-feira pelo próprio presidente da República, depois de ele ter prometido suspender o contingenciamento das verbas da Educação e voltado atrás.

A terceira ponte vinha sendo trafegada por Podemos, PSC, Cidadania, Pros, PV, Novo e Patriota, em um corredor que desembocava na mesma via do PSL. Era uma articulação trabalhada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), para construir uma base de apoio ao governo. Foi para os líderes desses partidos que Bolsonaro se comprometeu a abortar o contingenciamento. Somando o número de deputados dessas legendas ao PSL, o governo poderia contar com um apoio potencial de 107 votos. Ou seja, daria uma sustentação para puxar votos do Centrão, a depender do tema. Deu errado.

Estaca zero

O líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO), disse que a articulação construída com o governo voltou à estaca zero. Para os partidos, a manutenção do contingenciamento, depois da promessa de suspensão, mostra a existência de uma disputa interna no governo, que não interessa aos partidos. “Enquanto não acabar com essa briga, não vai ter base nunca. Na casa onde todo mundo manda, falta pão”, alertou.

A “balbúrdia” do governo reforça a ideia do “parlamentarismo branco”, reconheceu Nelto. “Não podemos deixar o país parado diante dessa confusão. Se o governo não ocupa os espaços, o Congresso vai executar essa função com o protagonismo de direito. Vamos encaminhar a reforma tributária e uma reforma política”, sustentou. A ideia de que a Câmara, por exemplo, terá um destaque maior do que o Executivo, é reforçada pelos ataques de Bolsonaro.

Sem fazer menção ao “toma lá da cá”, o presidente da República voltou ao embate com o Congresso. No Twitter, ele publicou ontem que, se há algo de que jamais abrirá mão, são os “princípios fundamentais” que sempre defendeu e com os quais a maioria dos brasileiros sempre se identificou. “O Brasil pediu uma nova forma de se relacionar com os poderes da República e, assim, seguirei, em respeito máximo à população”, escreveu. Para líderes partidários, é um recado claro de que manterá a resistência em abrir espaços para políticos.

“Nota cinco”

Integrante do partido governista, o deputado Alexandre Frota (PSL-SP) reconheceu que a relação do presidente com o Congresso tem de melhorar. “O Planalto precisa ter mais disponibilidade para os deputados. O governo precisa entender que o partido é base não só quando o governo necessita, mas também quando o deputado precisa”, frisou. Sobre o relacionamento com o Palácio, ele disse que “só quando eles querem aprovar algo é que meu telefone toca”.

Frota afirmou ter ficado sabendo de casos em que parlamentares aguardaram durante horas para falar com o presidente e não conseguiram. “Se for colocar na média, a nota do Planalto é cinco.”

Frases

“Enquanto não acabar com essa briga (dentro do governo), não vai ter base nunca. Na casa onde todo mundo manda, falta pão”

José Nelto, deputado federal pelo Podemos

“O Planalto precisa ter mais disponibilidade para os deputados. Se for colocar na média, a nota do Planalto é cinco”

Alexandre Frota, deputado federal pelo PSL

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Busca por novo sistema de governo

17/05/2019

 

 

 

 

De olho no desgaste do sistema presidencialista, parlamentares tentam lucrar com a crise e instituir um modelo de governo que empodera ainda mais o Congresso Nacional. A ideia de adoção do parlamentarismo — sistema rejeitado pela população duas vezes e discutido durante a reforma política proposta pelo então presidente Michel Temer — voltou a tomar os corredores do Legislativo. Com as derrotas do governo Bolsonaro, o PSDB ressuscitou o tema.

A intenção partiu do senador José Serra (SP). Discretamente, ele colhe assinaturas nesse sentido. O projeto insiste que o Legislativo, e não mais o Executivo, tome as rédeas do país, o que se assemelha ao modelo adotado no Reino Unido. Nesta semana, o assunto circulou nas altas rodas tucanas, que veem na fragilidade do governo Bolsonaro o “momento propício para retomar a mobilização”.

Ao Correio, tucanos confirmaram que a mudança teria apoio dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além da presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS). Nenhum deles se manifestou publicamente sobre o tema.

O parlamentarismo é um sistema de governo em que o Legislativo oferece sustentação política ao Executivo. Logo, o primeiro-ministro precisa do apoio do Congresso para formar o ministério e governar. A mudança seria responsável pelo fim do presidencialismo e da separação dos poderes e, no projeto rascunhado por José Serra, seria implementado a partir de 2022. (BB)