O Estado de São Paulo, n. 45790, 01/03/2019. Economia, p. B4

 

Consumo foi o principal motor do PIB

Daniela Amorim

Vinicius Neder

Renata Batista

01/03/2019

 

 

 Recorte capturado

Gasto das famílias avançou 1,9%, apesar de mercado de trabalho ainda fraco; inflação em baixa e juro menor incentivaram brasileiro a comprar

Apesar da situação ainda precária no mercado de trabalho, o consumo das famílias brasileiras foi o principal motor da economia no ano passado. O avanço foi de 1,9% no ano de 2018, ainda aquém do patamar pré-crise, de acordo com os dados das Contas Nacionais divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“O mercado de trabalho está melhorando, mas a renda está crescendo em ritmo muito lento. Essa melhora, mesmo que seja pequena, já ajuda o consumo das famílias. Se todo o mundo que está entrando no mercado de trabalho tivesse carteira assinada, a renda estaria crescendo mais”, explicou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

Além do crescimento da massa salarial real, o consumo foi impulsionado em 2018 pelo avanço nas concessões de crédito para pessoas físicas e por um alívio nas taxas de juros. A inflação ainda comportada também incentivou o brasileiro a gastar.

“A taxa de juros para o consumidor ainda tem o que cair, está em 49% ao ano, mas pode chegar a 45% ainda em 2019”, lembrou Fabio Bentes, chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A CNC prevê que o consumo acelere o ritmo de recuperação este ano, com uma alta de 2,6%, puxada pela melhora no crédito, mas também por uma projeção de geração de 850 mil postos de trabalho com carteira assinada, como registrado no Caged, cadastro federal.

“O mercado de trabalho é o que dá combustível ao consumo das famílias. A preocupação não é nem com a taxa de desemprego, é com a subutilização da força de trabalho. A informalidade está muito alta, temos desalentados e subocupados em níveis recordes”, lamentou Bentes.

A melhora na confiança de consumidores e empresários ainda é puxada pelas expectativas mais otimistas com os próximos meses do que por uma avaliação favorável do momento atual, lembrou Leonardo Mello de Carvalho, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “É preciso que se reduza o nível de incerteza para que o empresário volte a investir.”

Ciclo vicioso. Para a economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington (EUA), a economia está vivendo um “processo endógeno, que se retroalimenta”, no qual o elevado desemprego impede um crescimento maior do consumo, o que inibe a demanda por novos investimentos, que, por sua vez, freia a geração de empregos.

O consumo das famílias puxou também a alta de 1,3% no PIB de serviços em 2018. O destaque foi justamente a atividade de comércio, que avançou 2,3% ante 2017.

Nesse quadro, segundo o IBGE, o crescimento do ano passado foi dependente da demanda interna, que cresceu 1,6% ante 2017. A atividade econômica só não avançou mais porque o setor externo teve contribuição negativa, tirando 0,5 ponto porcentual do crescimento de 2018.

Oferta

O consumo das famílias puxou também a alta de 1,3% no PIB de serviços em 2018. O destaque foi o comércio, que avançou 2,3% ante 2017

Ritmo lento

“O mercado de trabalho está melhorando, mas a renda está crescendo em ritmo muito lento. Essa melhora já ajuda o consumo”

Rebeca Palis

COORD. DE CONTAS NACIONAIS DO IBGE.

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Análise: Retomada mais forte depende das reformas

José Ronaldo de G. Souza Jr.

01/03/2019

 

 

O resultado do PIB, apenas aparentemente, veio igual ao de 2017, mas análise desagregada dos dados mostra aceleração da demanda interna, contrabalançada pela redução das exportações líquidas. O indicador Ipea de demanda interna por bens industriais já mostrava crescimento muito maior que a produção industrial mensal, crescimento de 3,0% da demanda ante 1,0% da produção. O comércio exterior ficto de plataformas de petróleo explica praticamente metade da variação anual das quantidades importadas e exportadas de bens. No entanto, esse fato pouco afetou as exportações líquidas (exportações menos importações). Por outro lado, cerca de metade do crescimento dos investimentos é resultante de importações fictas de plataformas. Ainda assim, mesmo sem as plataformas, os investimentos teriam revertido a queda de 2017 para uma alta moderada em 2018.

As demais exportações foram muito prejudicadas pela crise econômica da Argentina – país que é um dos principais importadores de produtos industrializados do Brasil. Neste ano, isso deve ter impacto menor sobre o desempenho das nossas exportações e da nossa produção industrial. Outra influência negativa para 2019 é a piora quase generalizada das economias dos países desenvolvidos. Por último, a disputa comercial entre os EUA e a China, que impulsionou as exportações brasileiras de soja – que cresceram mais de 20% em 2018 –, pode ter efeito contrário neste ano. A China deve ampliar as compras de grãos dos EUA, o que tende a prejudicar as exportações brasileiras.

Apesar dessa força externa negativa, a economia brasileira ainda tem um alto nível de ociosidade e é um dos poucos países grandes do mundo com possibilidade aceleração do crescimento neste e nos próximos anos.

Obviamente, o prazo para a aprovação das reformas é crucial para o crescimento do PIB em 2019.

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Entrevista - Jose Roberto Mendonça de Barros: 'Com reformas, Brasil entra ciclo de crescimento sustentável'

Douglas Gavra

01/03/2019

 

 

Para economista, PIB de 2018 é decepcionante, mas aprovar mudanças na Previdência ajudará a destravar investimentos


Retomada. PIB deve crescer 2,2% em 2019, diz Mendonça

‘Com reformas, Brasil entra em ciclo de crescimento sustentável'

José Roberto Mendonça de Barros., ex-secretário do Ministério da Fazenda

A aprovação de reformas estruturais, como a da Previdência, e o avanço nas concessões de infraestrutura devem definir se o Brasil vai entrar em um ciclo de crescimento sustentável a partir de 2020 ou voltar para a recessão, avalia José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Para o economista da MB Associados, o crescimento de 1,1% da economia em 2018 foi desanimador, sobretudo se comparado às experiências anteriores em que o País se recuperou de crises. Para 2019, ele espera crescimento de 2,2%. A seguir, trechos da entrevista.

Como avaliar o crescimento de 1,1% em 2018? O segundo ano após a crise não deveria ter sido de crescimento mais robusto?

É desanimador. No começo do ano passado, todo mundo esperava algo entre 2,5% e 3% de crescimento. O País saiu de uma recessão tão profunda e a experiência de crises anteriores era de saídas vigorosas, mas tivemos uma sucessão de decepções. Ainda no primeiro trimestre, a demanda estava mais fraca e demorou para recuperar. Além disso, a greve dos caminhoneiros, em maio, e o enfraquecimento político do governo Michel Temer, que acabou não permitindo colocar em votação a reforma da Previdência, postergaram um maior fôlego na recuperação.

Havia uma onda de otimismo em relação a 2018. A dimensão da crise foi subestimada?

Sim. Um terceiro fator, que só o tempo foi capaz de mostrar, é que o colapso dos Estados era maior do que se imaginava. Muitos deles passaram a não pagar salários e fornecedores corretamente, o que significa corte de demanda e menos dinheiro em circulação para consumo e pagamento de dívidas.

A indústria teve a primeira alta, de 0,6%, após quatro anos de queda. Mas ainda não é pouco?

Sim. A indústria foi atingida fortemente no segundo semestre, com o colapso da Argentina. O único choque positivo foi com o resultado das eleições, que criou expectativas de continuidade de uma política econômica que não aumentasse despesas. O ano de 2018 não foi perdido, se completou de vez a saída da recessão, mas ainda não pegou tração, porque não tem investimento.

Mesmo com o avanço do consumo das famílias em 2018, a situação das famílias ainda é difícil?

O cenário ainda é muito difícil quando se olha para a vida real. O consumidor ainda está muito temeroso, mesmo quem conseguiu manter o emprego está cauteloso e há um exército de pessoas que ficaram desempregadas e aceitaram uma outra vaga ganhando menos do que antes. A autoestima do consumidor fica pior, o desejo de comprar e fazer novas dívidas desaparece. Do lado das empresas, também tem um monte apenas em ‘modo sobrevivência’. Elas enxugaram quadros, diminuíram turnos, pararam de investir e começaram a atrasar impostos.

Passadas as incertezas das eleições, 2019 deve ser um ano melhor para a economia?

Acredito que sim. Imagino um crescimento de 2,2% para este ano, o que ainda é pouco para o terceiro ano de recuperação após uma crise, mas acima do resultado de 2018. Agora, se o governo conseguir aprovar a reforma da Previdência e fizer concessões de infraestrutura, o jogo vira. O Brasil pode entrar em um crescimento sustentável, na faixa dos 3%.

E caso a reforma da Previdência não seja aprovada?

O Brasil volta para a recessão, o esboço de recuperação vai embora e haverá um desânimo enorme. O dado de ontem mostra que o PIB per capita, que mede o padrão de vida, recuou ao patamar de oito anos atrás. Nunca tivemos nada parecido com isso. Com a reforma da Previdência, a parte fiscal começa a caminhar, a taxa de formação bruta de capital aumenta e a arrecadação real cresce mais rapidamente. Por enquanto, a expectativa é boa, mas que pode se frustrar.