O Estado de São Paulo, n. 45811, 22/03/2019. Política, p. A4

 

Acusado de liderar grupo criminoso, Temer é preso

22/03/2019

 

 

 Recorte capturado

EX-PRESIDENTE DETIDO / Emedebista é, depois de Lula, o 2º ex-presidente da República a ser detido após investigação criminal por suspeita de corrupção; ex-ministro Moreira Franco também é alvo da operação

O ex-presidente Michel Temer foi preso preventivamente ontem, em São Paulo, por determinação do juiz Marcelo Bretas, titular da Operação Lava Jato no Rio. O emedebista, de 78 anos, é, depois de Luiz Inácio Lula da Silva, o segundo ex-presidente da República a ser preso após uma investigação criminal por suspeita de corrupção. Ele foi detido sem prazo determinado sob a acusação de liderar uma organização criminosa que atuava “há praticamente 40 anos”, segundo o Ministério Público Federal. A ação que levou o ex-presidente para uma cela na Superintendência da PF no Rio é decorrente de investigação que tem como base delação de José Antunes Sobrinho – da empreiteira Engevix – e apurou crimes de formação de cartel, fraude em licitações e pagamento de propinas em contratos da obra de Angra 3. Após decisão do Supremo Tribunal Federal, o caso foi desmembrado e remetido à Justiça Federal fluminense.

Além de Temer, foram presos o ex-ministro Moreira Franco, apontado como “longa manus” do ex-presidente, o coronel João Baptista de Lima Filho e outros suspeitos. Em sua decisão, Bretas citou operações da PF de 2017 e 2018 para concluir que os investigados agiam “para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas”.

A defesa de Temer ingressou ontem mesmo com pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. A prisão foi fortemente contestada pelos defensores e considerada “uma barbaridade”. O despacho de Bretas despertou polêmica entre juristas e advogados ouvidos pelo Estado. No Congresso, deputados e senadores viram na prisão do ex-presidente uma tentativa de desgaste da classe política. Mesmo parlamentares que fizeram oposição à gestão de Temer criticaram a ação da PF, classificada como “populismo penal” da Lava Jato. Em viagem ao Chile, o presidente Jair Bolsonaro, contudo, associou a detenção ao que chamou de “aquela velha história de Executivo muito afinado com Legislativo, onde a governabilidade vem em troca de cargos, ministérios e estatais”.

Temer recebeu voz de prisão da PF quando saía de sua residência pela manhã, na zona oeste da capital paulista. Policiais fizeram buscas em sua casa e também em seu escritório. O ex-presidente perdeu o foro especial no Supremo quando deixou a Presidência da República no fim do ano passado. Reeleito vice-presidente na chapa com Dilma Rousseff em 2014, Temer assumiu o cargo mais alto do País em 2016 após o impeachment da petista.

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Para MPF, ex-presiente destruiu provas e vigiou ação de policiais

Fabio Serapião

Fausto Macedo

Julia Affonso

Luiz Vassallo

Marcelo Godoy

Pedro Venceslau

Renato Onofre

Roberta Jansen

Vinicius Neder 

22/03/2019

 

 

 Recorte capturado

Procuradora Fabiana Schneider afirma que ‘grupo criminoso’ que seria chefiado por Temer ‘atuava havia 40 anos’

É longa a lista de argumentos usados pelos procuradores de República para justificar a prisão do ex-presidente Michel Temer: líder de uma organização criminosa que monitorou policiais, destruiu provas, produziu documentos falsos para despistar as investigações, lavou dinheiro e intimidou e subornou testemunhas. Uma prisão que, segundo seu defensor, o criminalista Eduardo Carnelós, é “uma barbaridade”.

“Serve apenas à exibição do ex-presidente como troféu aos que, a pretexto de combater a corrupção, escarnecem das regras básicas inscritas na Constituição”, disse (mais informações na pág. A6). A procuradora Fabiana Schneider, da força-tarefa da Lava Jato, defendeu a necessidade das dez prisões decretadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio. “Esse grupo criminoso atuava havia 40 anos.” Para o MPF, ele estaria envolvido com pagamentos de propinas já feitos ou prometidos e desvios de recursos públicos que chegariam a R$ 1,8 bilhão.

A ação que levou mais um expresidente do País para a cadeia é um desdobramento da Operação Radioatividade, que apurou crimes de formação de cartel, fraude em licitação e pagamento de propina a executivos da Eletronuclear durante a construção da usina nuclear de Angra 3. Após Temer deixar a Presidência, a apuração que o envolvia no caso foi remetida pelo Supremo Tribunal Federal à Justiça Federal, no Rio. Foi parar nas mãos da forçatarefa da Lava Jato, e virou a Operação Descontaminação.

Em 383 páginas, os procuradores da força-tarefa apontaram ao juiz Bretas que Temer teria recebido R$ 1,1 milhão pago pelo empreiteiro José Antunes Sobrinho, ligado à Engevix. De acordo com a Polícia Federal, Sobrinho disse em sua delação que a propina foi solicitada em 2014 pelo coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo João Baptista Lima Filho e pelo ex-ministro Wellington Moreira Franco (MDB), apontados como operadores de Temer.

Para tanto, segundo a procuradoria, a empresa Argeplan, do coronel Lima, “participou do consórcio da AF Consult LTD, vencedor da licitação para a obra da Usina Nuclear de Angra 3, apenas para repassar valores a Michel Temer”. A empresa não tinha “pessoal e expertise suficientes para a realização dos serviços”.

Contrainteligência. Ao justificar o pedido de prisão, o MPF comparou o caso de Temer com o do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), também preso antes de condenado em segunda instância. Denunciado três vezes em outros casos de suposta corrupção, o grupo de Temer teria, segundo os procuradores, montado “um braço de contrainteligência” para vigiar policiais responsáveis pela investigações, destruído provas e falsificado documentos. Para sustentar essas afirmações, a força-tarefa apresentou papéis apreendidos em março de 2018 com pessoas ligadas a Temer. Esse foi o caso de um documento que mostrava tentativa de mudar a propriedade da empresa AF Consult, ligada à Argeplan, do coronel Lima.

Também são listadas anotações sobre a preparação de argumentos para a defesa dos acusados. Em uma delas, estava escrito: “Será que irão (atrevimento) interrogar sobre a natureza do assuntos tratados com o presidente!” Os funcionários da Argeplan teriam parado de armazenar documentos e as câmeras de vídeo da empresa não gravavam imagens. Para os investigadores, tudo isso fazia parte da estratégia de contrainteligência montada pelo coronel Lima.

Eles não mostram, porém, nada que ligue Temer a aos documentos apreendidos em março de 2018 ou que demonstre sua conivência com o que é apontado. O que o liga às condutas dos demais é a acusação de liderar a organização criminosa. O fato mais recente listado pelos procuradores que envolveria diretamente o ex-presidente foi o suposto suborno do corretor Lúcio Funaro, denunciado em 2017 pelo empresário Joesley Batista, do grupo J&F, e alvo de outro processo criminal/ FABIO SERAPIÃO, FAUSTO MACEDO, JULIA AFFONSO, LUIZ VASSALLO, MARCELO GODOY, PEDRO VENCESLAU, RENATO ONOFRE, ROBERTA JANSEN e VINICIUS NEDER

Fiscalização

O Coaf detectou tentativa de depositar R$ 20 milhões em dinheiro na conta da empresa do coronel João Baptista Lima, em 2018.