Valor econômico, v.20, n.4816, 16/08/2019. Política, p. A7

 

Bolsonaro sinaliza veto apenas parcial a projeto de lei do abuso 

Fabio Murakawa

Isadora Peron

16/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que ouvirá sua equipe sobre o projeto de lei de abuso de autoridade, aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados. Ele, no entanto, sinalizou que não deve vetar totalmente o texto, visto como uma retaliação à Operação Lava-Jato.

"Vai chegar à minha mesa na semana que vem, os ministros vão dar cada um a sua opinião, sugestão de sanção ou alguns vetos e vamos tomar a decisão de forma bastante tranquila e serena."

O presidente, porém, defendeu que "tem autoridade que pratica abuso". Ele citou como exemplo os casos em que respondeu por processos na Justiça sobre racismo e apologia ao estupro. "Vocês estão vendo uma pessoa aqui... Eu sou réu por apologia ao estupro. Alguém me viu dizendo que tinha que estuprar alguém no Brasil?", disse, em uma referência à discussão que teve com a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

"Existe abuso, somos seres humanos, mas a gente não pode cercear os trabalhos das instituições", afirmou. "A pessoa tem que ter responsabilidade quando faz algo que é dever seu, mas tem que fazer baseado na lei. Tem que fazer o que tem de ser feito de acordo com a lei e ponto final."

Ontem, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou em nota que o governo vai examinar a possibilidade de vetar alguns pontos do projeto. "Ninguém é a favor de abusos, mas o projeto precisa ser bem analisado para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais. O exame ainda será feito com o cuidado e o respeito necessários ao Congresso", disse.

Na quarta-feira, enquanto o plenário da Câmara concluía a votação do projeto, Moro participou de um jantar com deputados e senadores. Na ocasião, ele reclamou da proposta e afirmou que ia trabalhar para fazer modificações no texto aprovado.

Ex-juiz da Lava-Jato, Moro acompanha de perto a onda de protestos que a aprovação do projeto provocou entre os magistrados e integrantes do Ministério Público. Em nota, a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), que representa entidades das duas categorias, afirmou que o texto aprovado contribuiu para o avanço da impunidade.

"O projeto contém uma série de falhas e impropriedades que inibem a atuação do Ministério Público, do Poder Judiciário e das forças de segurança, prejudicando o desenvolvimento de investigações e processos em todo o país e contribuindo, assim, para o avanço da impunidade."

Para a organização, "os deputados chancelaram um texto que mantém as definições de diversos crimes de maneira vaga, aberta, subjetiva, punindo situações que hoje são normalmente dirimidas pelo sistema de Justiça".

Outra categoria que também se posicionou contra o projeto foram os policiais. Em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) afirmou que viu com "muita preocupação". "Tudo que o Brasil não precisa neste momento é de uma espécie de estatuto da criminalidade, que intimide autoridades estatais no regular desempenho de suas funções e proteja criminosos. Ao contrário, a sociedade brasileira espera que haja investimento e autonomia nos órgãos de controle do Estado e que a legislação fomente a prevenção e a repressão às organizações criminosas, protegendo as instituições", disse a entidade.

Na nota, os delegados apontam que esperam que Bolsonaro vete o texto "principalmente por sua eleição ter sido fruto do inconformismo da sociedade brasileira com a corrupção e a criminalidade organizada".

O projeto aprovado pela Câmara teve apoio da maioria dos partidos. Apenas PSL, de Bolsonaro, Cidadania e Novo orientaram suas bancadas a se opor à medida. A votação foi simbólica.

O texto que vai à sanção presidencial define 30 condutas que serão consideradas crime. A nova lei vale para servidores e agentes públicos de todos os Poderes, mas foi elaborada visando o Judiciário e Ministério Público.