Valor econômico, v.20 , n.4784 , 03/07/2019. Política, p. A13

 

Siglas driblam exigência de lei de cota feminina

 

 

 

 

Malu Delgado

03/07/2019

 

 

 

Entre os 34 partidos políticos que receberam, no pleito de 2018, recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), apenas 13 deles aplicaram pelo menos 30% dos recursos públicos para candidaturas de mulheres em eleições proporcionais, o percentual previsto na lei de cotas de 1997 (Lei 9.504).

Os dados foram compilados por professoras da Fundação Getulio Vargas (FGV) na pesquisa "Democracia e Representação nas Eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero".

Para as pesquisadoras, a falta de clareza e ambiguidades conceituais em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deram às legendas liberdade para distribuir o montante de recursos entre candidaturas majoritárias e proporcionais, ou para aplicar a cota de 30% somente em disputas majoritárias, muitas das quais as mulheres nem eram cabeça de chapa. Isso fez com que distorções de gênero persistissem em financiamentos eleitorais, mas o cenário de 2018 comprova que as candidatas receberam mais recursos que o volume distribuído em 2014.

Uma das principais conclusões da pesquisa é que, se considerado apenas o universo de candidaturas proporcionais, 62% dos partidos não cumpriram a determinação de aplicar os recursos do Tesouro (do FEFC) para campanhas de mulheres.

"Sempre houve muita clareza entre os estudiosos sobre financiamento eleitoral de que era preciso garantir receita para que as mulheres tivessem competitividade. A cota de 30% mostra que as mulheres de fato receberam mais recursos na eleição de 2018, mas a falta de clareza e a ambiguidade das regras de financiamento geram distorções e complicam a situação das candidatas mulheres", afirma a professora Catarina Barbieri, uma das coordenadores da pesquisa, da FGV-Direito.

Barbieri enfatiza que a legislação de 1997 é clara ao determinar que as listas de candidaturas de partidos ou coligações precisam ter no mínimo 30% de mulheres nas eleições proporcionais, mas essa lógica não persistiu quando se definiu sobre financiamento. Os partidos, reconhece ela, não cometeram nenhuma ilegalidade. As regras é que precisam ser melhor definidas. "O objetivo da lei de cotas é aumentar o número de mulheres no Parlamento, nas casas legislativas", enfatiza a professora. Segundo ela, há espaço para o TSE aperfeiçoar o mecanismo de financiamento, mantendo a lei de cotas.

A pesquisa mostra que três partidos (Avante, Podemos e PRP) não cumpriram a regra de distribuição de recursos para mulheres sob nenhuma hipótese e seis cumpriram a cota de 30% se somadas as candidaturas proporcionais e majoritárias com chapas lideradas por mulheres.

Ainda que as dificuldades de fiscalização sobre a aplicação de recursos sejam evidentes, a pesquisa aponta que houve aumento efetivo das mulheres eleitas e na proporção de recursos destinados a mulheres. A Câmara dos Deputados tem hoje 77 parlamentares mulheres, o equivalente a 15% das 513 cadeiras. Em 1982, antes da redemocratização, havia apenas cinco mulheres na Câmara, 1% do total das 479 cadeiras.

Sem o financiamento de empresas, o volume de recursos para financiar campanhas caiu, mas a proporção de receitas disponível para mulheres teve aumento significativo em comparação ao pleito de 2014, passando de 9,63% para 21,89%.

A disparidade em relação à média de receita recebida por um candidato homem e uma candidata mulher também foi reduzida. em 2014, o candidato homem recebia, em média, R$ 479,4 mil para a campanha, enquanto a mulher conseguia apenas R$ 133,4 mil. Em 2018, a média para homens ficou em R$ 242,7 mil, enquanto das mulheres subiu para R$ 151,6 mil.

Os estudos da FGV comprovam que os homens brancos amealham a maior parte das receitas numa disputa eleitoral e que a sub-representação feminina é ainda mais significativa quando se analisa o recorte de raça. Os homens brancos representaram 43,1% das candidaturas e receberam, em 2018, 61,4% das receitas. Na última eleição 12,9% dos concorrentes foram mulheres e negras, e elas conseguiram somente 5,7% das receitas.

A pesquisa ainda terá andamento e numa segunda fase as pesquisadoras vão analisar a questão das candidaturas de mulheres como laranjas.

Além do aspecto econômico, também foram levantados dados sobre a trajetória e capital político das mulheres. Entre as 77 mulheres eleitas para a Câmara em 2018, 21 são novatas na política e 16 delas se filiaram ao partido pelo qual disputaram a eleição no mesmo ano.

Mulheres que não estavam na política formal antes de 2018 conseguiram se eleger e, segundo a professora Catarina Barbieri, isso pode ter relação com outro tipo de capital, que não o político, como o capital midiático.