O globo, n. 31315, 03/05/2019. País, p. 4

 

Na lista, com apoio

Jailton de Carvalho

Vinicius Sassine

03/05/2019

 

 

Moro e militares do alto escalão defendem que sucessor de Dodge saia de eleição entre procuradores

O ministro da Justiça, Sergio Moro, e militares do alto escalão do governo estão inclinados a apoiar a escolha do futuro procuradorgeral da República a partir da lista tríplice a ser definida na eleição interna promovida pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR). A inscrição para a disputa começa na segunda-feira, e a votação ocorrerá em 18 de junho.

Os três mais bem colocados formarão a lista tríplice a ser entregue ao presidente Jair Bolsonaro, a quem compete indicar o próximo PGR. Desde 2003, todos os presidentes têm respeitado a votação interna no Ministério Público Federal (MPF) e indicado um dos mais votados, o que Bolsonaro ainda não se comprometeu a fazer. O novo PGR ainda passa por uma sabatina no Senado.

A interlocutores próximos, Moro diz considerar importante que o chefe do MPF tenha liderança dentro da instituição. A lista tríplice é um indicativo claro do grau de apoio interno de cada candidato.

Os ministros Santos Cruz, da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, entre outros militares da reserva que ocupam postos estratégicos no governo, também apoiam que a indicação respeite a lista tríplice. Moro e os militares defendem uma visão mais institucional. Uma dificuldade, no entanto, é encontrar, na futura lista, um candidato afinado com a agenda conservadora do governo.

Os ministros da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça, e da Controladoria-Geral da União, Wagner de Campos Rosário, também deverão ser ouvidos na escolha do futuro procurador-geral e estão mais afinados com o grupo de Moro, Heleno e Santos Cruz.

Procuradores que lançarão seus nomes à sucessão de Dodge na eleição da ANPR defendem o instituto da lista tríplice como importante para garantir a independência e fortalecer o Ministério Público Federal.

— A instituição tem de mostrar que a escolha é do presidente, mas ele mesmo vai conversar com outras pessoas, com seus ministros e políticos. Ele pode conversar com o próprio MPF também, através da lista —avalia a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, que se candidatará pela primeira vez.

O subprocurador-geral Mauro Bonsaglia esteve entre os três mais votados em 2015 e 2017. Ele diz que exercer o cargo de PGR “envolve frequentemente tomar decisões importantes, de interesse de toda a sociedade e que afetam órgãos de poder”:

— Deve por isso mesmo agir com firmeza, mas também com sobriedade e sempre de forma técnica.

Início de campanha

O procurador-geral da República tem a atribuição de representar o Ministério Público no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a incumbência de investigar e oferecer denúncia contra autoridades que têm foro nessas cortes.

O sucessor de Raquel Dodge lidará ainda com questões importantes da atual agenda do país. Caberá ao futuro chefe do MPF decidir, por exemplo, se apoia ou contesta movimentos do governo favoráveis a corte de verbas das universidades federais ou projetos como o “Escola Sem Partido”, entre outros.

Na semana que antecede o início da disputa, O GLOBO identificou movimentos de ao menos quatro procuradores interessados em chefiar a PGR. A atual ocupante do cargo, Raquel Dodge, e seus auxiliares mais próximos participaram de um jantar oferecido pelo governador de São Paulo, João Doria, na noite da última segunda-feira.

Dodge não diz internamente se tentará a via da lista tríplice para ser reconduzida ao cargo de procuradora-geral. Ela tem expressado gestos de interesse na recondução, com participação em eventos do Executivo e do mundo político.

Bonsaglia é outro que vem fazendo contatos e sondagens externas, numa tentativa de viabilizar seu nome. Já Luiza Frischeisen tem compartilhado com os colegas suas propostas, como discussões sobre orçamento, previdência dos procuradores e investimentos na estrutura do MPF.

Um quarto candidato, o procurador regional Vladimir Aras, deve ir a Goiânia hoje para se encontrar com colegas no estado. Aras espera ter o apoio do procurador Ailton Benedito, que manifesta alinhamento ao bolsonarismo nas redes sociais. Benedito troca mensagens com parlamentares e assessores do PSL, e teve seu nome incensado por simpatizantes do bolsonarismo nas redes.

De olho na defesa da agenda conservadora, o grupo formado por seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho também já começou a se movimentar para influenciar a escolha do procurador-geral.

“A instituição tem de mostrar que a escolha é do presidente, e ele mesmo vai conversar com seus ministros e políticos. E com o próprio MPF também, através da lista ”

Luiza Frischeisen, Subprocuradora-geral e candidata à sucessão de Dodge

“Um PGR deve agir com firmeza , mas sempre com sobriedade e de forma técnica”

Mauro Bonsaglia, Subprocurador-geral e candidato à sucessão de Dodge

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Para ministro, debater isenção de punição a ruralistas é prematuro

03/05/2019

 

 

Moro: proposta sobre atirar em invasores precisa ser melhor discutida

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou ontem que considera “prematuro” discutir a isenção de punição a proprietários de terra que atirarem contra invasores de sua propriedade. A ideia, criticada por especialistas em segurança e violência no campo, foi defendida pelo presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira, durante visita a uma feira agropecuária.

A chamada “excludente de ilicitude”, a previsão legal para isenção de punição, já existe no código penal, apenas para casos em legítima defesa, quando em reação a “injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. No pacote anticrime enviado por Moro ao Congresso, os limites da excludente de ilicitude são ampliados para agentes das forças de segurança em serviço. O texto prevê que um juiz poderá “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Na segunda-feira, Bolsonaro prometeu aos ruralistas estender a eles a isenção de punição, sem detalhar, porém, qual seriam os critérios para garantir esse benefício legal. Ele disse que o “cidadão de bem poderá entrar no excludente de ilicitude”. Ontem, Moro defendeu que determinadas medidas precisam ser discutidas com calma, com “idas e vindas” e “avanços e recuos”.

— Existem políticas públicas que são formuladas dentro do governo com interação das diversas pastas envolvidas dos ministérios da Justiça e Segurança Pública quando há pertinência temática. E essas políticas públicas são gestionadas, discutidas, há idas e vindas, há avanços e recuos, então é prematuro discutir essas questões sem que nós tenhamos políticas públicas absolutamente delimitadas —disse o ministro, ao ser questionado sobre o tema durante uma entrevista coletiva para apresentar dados da Polícia Rodoviária Federal.

Bolsonaro prometeu a proprietários de terra que seu governo enviará ao Congresso um projeto de lei nesta linha:

—Tem um outro (projeto) que vai dar o que falar, mas que é uma maneira de ajudar a combater a violência no campo. Ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem responde (por eventual crime), mas não tem punição. É a forma que nos temos que proceder. Para que o outro lado que desrespeita a lei tema o cidadão de bem.

Especialistas em direito criminal e violência no campo criticaram a medida, lembrando que a lei brasileira já garante não punição a quem agir em defesa da própria vida, o que pode ser alegado em caso de um invasor estar armado. Outra crítica é que o uso de armas de fogo deve ser restrito às forças de segurança, que têm treinamento para tal.