O globo, n. 31315, 03/05/2019. País, p. 6

 

Cabral relata propina a ex-procurador-geral

03/05/2019

 

 

Em depoimento, ex-governador diz que pagou pessoalmente R$ 200 mil e mesadas de R$ 150 mil a Cláudio Lopes em troca de ‘proteção total’; arquivamento de investigação sobre ‘farra dos guardanapos’ também teria sido negociada

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral relatou, em depoimento ao Ministério Público divulgado ontem pela GloboNews, pagamento de propina ao ex-procurador-geral de Justiça Cláudio Lopes em troca de proteção. Cabral contou que pagou pessoalmente R$ 200 mil a Lopes para ajudar na sua campanha para o comando do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) em 2009. O ex-governador citou ainda nomes de outros integrantes do MP e de desembargadores.

Cabral relatou o pagamento de mesada de R$ 150 mil ao ex-procurador geral após ele assumir a chefia do MP para “proteção total a mim e aos meus”, disse. Entre as vantagens, está o arquivamento da investigação sobre o episódio conhecido como “farra dos guardanapos”, em que secretários de Cabral e empresários foram fotografados com guardanapos na cabeça durante um jantar em Paris, em 2009.

Cabral prestou o depoimento no dia 25 de março, no Complexo Penitenciário de Bangu, onde está preso. Condenado por nove vezes, com penas quem somam 198 anos de cadeia, o ex-governador deu uma guinada em sua defesa ao confessar o esquema de propina e agora tenta reduzir sua pena listando suas culpas e entregando antigos companheiros.

Lopes comandou o Ministério Público do Rio entre 2009 e 2012. Ele foi preso em novembro de 2018 acusado de receber cerca de R$ 7 milhões em propina para blindar a organização criminosa chefiada por Cabral. Segundo o ex-governador, no primeiro semestre de 2008, Lopes o procurou no Palácio Guanabara para pedir ajuda na eleição de procurador-geral no ano seguinte.

“E disse: ‘Olha, eu preciso da sua ajuda... No Palácio Guanabara... Eu preciso da sua ajuda financeira porque essa campanha é uma campanha difícil’. Na verdade, ele não disse com essas palavras, disse: ‘Olha, tem muito jantar de muitos gastos e eu não tenho esses recursos. Eu tenho um grupo de amigos que me ajuda, mas isso não vai ser suficiente. Eu preciso que você... Eu precisaria de uma ajuda’”, disse Cabral no depoimento.

Segundo Cabral, o pedido não foi explícito, mas ele ofereceu R$ 200 mil para ajudar.

“Foi enviesado, né? Eu disse: ‘Bom, eu posso te ajudar’. Ele falou: ‘Poxa, seria ótimo’. ‘O que que você acha de R$ 200 mil?’ Ele falou: ‘Pô, tá excelente’”, contou Cabral.

Entrega pessoalmente

O ex-governador disse ainda que, no caso de Lopes, era ele próprio que fazia as entregas do dinheiro vivo. Cabral contou ainda que, mesmo depois de eleito, Lopes pediu mais dinheiro, porque precisava fazer um “pé-de-meia”. Cabral disse que decidiu dar a quantia de R$ 150 mil por mês:

“É porque, por exemplo, eu entregava 150 mil todo mês ao (ex-governador Luiz Fernando) Pezão. Aí eu falei: ‘Quer saber, eu vou dar pra ele o mesmo valor que eu dou pro Pezão, então eu vou dar R$ 150 mil pra ele”.

Mais uma vez, de acordo com Cabral, Lopes teria pedido que a propina fosse entregue a ele pessoalmente. Ao ser perguntado sobre o que o ex-procurador-geral prometeu em troca da propina, o ex-governador respondeu que “o compromisso era proteção total a mim e aos meus”.

Cabral citou também dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio indicados por ele —Sérgio Nogueira de Azeredo e Marcos André Chut — em troca da manutenção do arquivamento da investigação da “farra dos guardanapos” pelo Conselho Superior do MP. Sérgio tomou posse como desembargador em março de 2015. Marcos André Chut assumiu o cargo dois meses depois, em maio de 2015. Os dois se tornaram desembargadores por meio do dispositivo jurídico que determina um quinto das vagas nos tribunais para advogados e integrantes do MP.

Segundo Cabral, quem negociou as indicações foi o exprocurador-geral de Justiça Marfan Vieira, que comandou o MP entre 2005 e 2009. Os promotores perguntaram a Cabral se Marfan condicionou os votos dele para o arquivamento do caso da “farra dos guardanapos” à indicação de Sérgio Nogueira, chefe de gabinete de Marfan, para o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça.

“Ah, isso ficou implícito, isso ficou implícito que... isso era fruto de um acordo. ‘Vamos arquivar, o meu grupo vai votar com você e os votos do meu grupo não são suficientes para arquivar. É, procure o outro grupo’.”

Quando Cabral apresentou a demanda a Chut pelo arquivamento da investigação, os promotores perguntaram o que Chut respondeu. Cabral contou que ele disse: “Eu vou trabalhar o meu grupo e nós vamos aprovar e vou trazer aqui pra estar com o senhor os votos”.

Executivos da Record

Cabral disse também que, de 2007 a 2010, intermediou um encontro de dois representantes da TV Record com Cláudio Lopes. Eles teriam relatado um problema no Ministério Público com uma fundação que era dona da emissora. Cabral afirmou que ligou para Lopes e marcou um encontro com Thomaz Naves, diretor de Marketing da TV Record, e o deputado federal Marcos Pereira (PRB-SP), que “moraria em Nova York”, em sua própria casa, no Leblon, Zona Sul do Rio. Perguntado se o problema foi resolvido depois do encontro com Lopes, Cabral respondeu: “Eu creio que sim. Não, foi. O tal Thomaz Naves depois me agradeceu, mandou me agradecer, foi resolvido”.

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Outro lado: citados negam acusações de ex-governador

03/05/2019

 

 

Ex-integrantes do MP do Rio e desembargadores apontam contradições em fatos e datas apresentados por Sérgio Cabral

As defesas dos ex-integrantes do Ministério Público do Rio de Janeiro e de desembargadores citados no depoimento de Sérgio Cabral negaram ontem as acusações feitas pelo exgovernador. O advogado do ex-procurador-geral de Justiça Cláudio Lopes Lopes disse que as declarações não merecem credibilidade porque ele já apresentou inúmeras versões para os mesmos fatos, inclusive em contradição ao que disseram outros acusados e testemunhas.

A nota diz ainda que, levado pelo desespero, Cabral é capaz de dizer qualquer coisa ainda que não seja verdadeira para amenizar sua situação perante a justiça criminal.

"Contradições"

A defesa do ex-procurador Marfan Vieira declarou que o depoimento de Sérgio Cabral está cheio de contradições e mentiras. “As imputações formuladas pelo ex-governador não coincidem com a cronologia dos fatos narrados e não merecem qualquer credibilidade. A acusação é leviana e atinge a honra e imagem do procurador Marfan Vieira, dos desembargadores e dos membros do Conselho Superior do Ministério Público, que é citado de modo pejorativo”, disse a nota divulgada à imprensa na noite de ontem.

Sobre o arquivamento do processo a respeito da chamada “farra dos guardanapos”, Marfan afirmou ainda que foi feito pelo ex-procurador-geral Cláudio Lopes, 14 dias depois de sua nomeação, mas antes da posse. Segundo Marfan, isso joga por terra “a falaciosa imputação de que a escolha de Marfan teria relação com o referido arquivamento”.

O desembargador Sérgio Nogueira de Azeredo declarou que basta pesquisar na internet as datas e os fatos citados pelo ex-governador para descobrir que não são verdadeiros. E que Cabral já está condenado a quase 200 anos de prisão e “de forma leviana e irresponsável, arvora-se agora em arauto da moralidade para fazer, impunemente, inúmeras afirmações mentirosas e imputações caluniosas, obviamente sem qualquer lastro probatório”.

O desembargador Marcos Chut sustenta que o processo de escolha e sua posterior nomeação como desembargador transcorreram de forma regular e por isso repudia veementemente o teor das declarações de Sérgio Cabral.

Pereira: "Puro delírio"

Em nota, a defesa do ex-governador Luiz Fernando Pezão disse que Pezão jamais recebeu qualquer valor a título de propina. No depoimento divulgado ontem, Cabral disse que entregava R$ 150 mil todo mês ao exgovernador.

O deputado federal Marcos Pereira disse que nunca morou em Nova York, como mencionou Cabral, que não existe nem nunca existiu nenhuma fundação de interesse do grupo que ele representava eque tais afirmações são“puro delírio .”

Thomaz Naves afirmou que nunca esteve nacas ade Cabral eque as declarações do ex-governador são infundadas.

Já a TV Record, em nota, reafirmou que nunca existiu nenhuma fundação de interesse do grupo e negou qualquer negociação com o ex-governador. De acordo coma emissora, asa firmações de Cabral não são verdadeiras. A TV Record nega qualquer irregularidade.