O globo, n. 31315, 03/05/2019. País, p. 8

 

Fórum de imprensa critica inquérito e censura.

André de Souza

03/05/2019

 

 

Promovido pela OAB do Distrito Federal, evento defende liberdade e democracia; advogados e jornalistas contestam investigação do STF que levou à retirada do ar de reportagem da revista Crusoé, liberada posteriormente

Moraes justifica investigação e tem defendido que não houve censura prévia

O 11º Fórum Liberdade de Imprensa e Democracia, promovido ontem em Brasília, foi marcado pelas críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No mês passado, ele determinou a retirada do ar uma reportagem da revista digital Crusoé chamada “O amigo do amigo de meu pai”. Segundo o texto, o empreiteiro Marcelo Odebrecht apontou que o apelido do título, citado em um e-mail, se refere ao presidente da Corte, Dias Toffoli. Posteriormente, Moraes recuou da decisão.

Um dos participantes do evento, organizado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), foi o advogado André Marsiglia Santos, que defende a Crusoé e o site O Antagonista, do mesmo grupo. Ele afirmou que a Constituição garante a liberdade de imprensa, mas muitas vezes alguns artigos passam por uma “ressignificação”. Essa ressignificação, diz ele, é um perigo institucional.

— O que eu poderia deixar d emen sage mé quenos assusta um pouco, como advogados, aress ignificação de alguns conceitos constitucionais relevantes. Temos concei tosque são expressos na Constituição eque parece sempre um desafio exercêlos. Isso é um problema. Vocês (jornalistas) têm um direito/dever de informar, e nós advogados temos, para defendê-los, artigos constitucionais expressos: sigilo da fonte, liberdade de imprensa, cláusula pétrea, tudo isso. Mas, infelizmente, há ressignificações — disse o advogado. — Eu nunca vi de fato há 30, 40 anos algo assim, uma censura tão explícita (como a ocorrida com a Crusoé) —afirmou.

A decisão de Moraes foi questionada no próprio STF, em processos relatados pelo ministro Edson Fachin.

Em documento enviado a Fachin, Moraes negou ter realizado censura prévia, uma vez que a reportagem chegou a ir ao ar antes de ser removida. Sobre o inquérito que investiga ataques ao STF, o ministro justifica que as investigações pretendem evitar notícias falsas e calúnias.

"Políticos de toga"

O jornalista José Casado, colunista do GLOBO, também criticou a decisão de Moraes.

—Juízes de tribunais superiores são políticos de toga. O que aconteceu no caso de O Antagonista foi que o poder resolveu restaurar a censura, formalmente. E isso é o fato. Inapelável —afirmou.

Tiago Mali, chefe de redação do site Poder 360 em Brasília, lembrou episódios envolvendo Moraes antes de ele virar ministro do STF.

— O próprio Alexandre de Moraes, personagem central desse episódio com a Crusoé, reiteradas vezes tentou retirar informações, notícias do ar quando ele era secretário de Segurança Pública de São Paulo. Hoje ele é o responsável pelo inquérito (que investiga ofensas ao Supremo e aos ministros).

Flávio Lara Resende, conselheiro da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e diretor-geral do Grupo Band em Brasília, defendeu a liberdade de imprensa:

—A liberdade de imprensa é uma conquista da sociedade para a própria sociedade. Em tempos de internet, redes sociais, o volume de informações foi ampliado de forma incontrolada. E, mais do que nunca, é preciso separar o que é real do que é falso. Jamais o jornalismo livre e profissional foi tão importante como elemento certificador da verdade, da responsabilidade, e da democracia.

Presidente da OAB-DF, Délio Lins e Silva atacou a censura prévia:

— Aceitar censura prévia realmente é inadmissível. Não podemos nos calar em relação a isso. Sejam punidos os maus profissionais, sejam jornalistas, advogados ou juízes, mas a censura prévia não condiz com os tempos democráticos que vivemos.

Já ex-senadora Ana Amélia Lemos criticou Moraes e o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), por colocar sob sigilo dados sobre gastos na Casa. E atacou o radicalismo nas redes sociais.