Valor econômico, v.20 , n. 4784 , 03/07/2019. Opinião, p. A17

 

As origens das mudanças climáticas

Tiago Cavalcanti

03/07/2019

 

Os registros da temperatura global nos últimos 140 anos apontam que a Terra está se aquecendo. Oito dos dez anos mais quentes desde 1880 aconteceram na década recente. No dia 28 de junho de 2019 a temperatura da França alcançou sua marca mais elevada até hoje. Os termômetros registraram na cidade de Gallargues-le-Monueux a temperatura recorde de 45,9 graus Celsius. Isso tem implicações no meio ambiente, dadas as ligações complexas e complementares entre a biodiversidade e o clima, além de afetar negativamente o bem-estar e mesmo a sobrevivência das pessoas. Em 2003 a onda de calor na Europa levou à morte cerca de 36 mil pessoas.

Durante sua história, o clima da Terra passou por vários ciclos com longos períodos glaciais, que são fases de frio mais intenso, com o aumento das geleiras e o rebaixamento dos mares. Esses períodos glaciais são separados por fases interglaciais. O presente momento interglacial, chamado de Holoceno, ocorre há aproximadamente 12 mil anos. Períodos interglaciais são em geral mais curtos e caracterizados por temperatura média mais elevada, recuo das geleiras e aumento do nível dos oceanos. Há indicações inclusive que a temperatura de algumas partes do globo já foi mais quente do que as observadas atualmente.

Os períodos interglaciais e glaciais se correlacionam com as mudanças cíclicas na órbita da Terra em torno do Sol. Os cientistas confiam que as variações orbitais são previsíveis e com base em modelos que relacionam as variações orbitais ao clima podem especular sobre o futuro. Certos trabalhos apontam que o próximo período glacial começaria em poucos milênios de anos. Porém pode ser retardado e não necessariamente tão frio como em períodos passados. Tudo porque a quantidade de gases de captura de calor emitidos nos oceanos e na atmosfera da Terra teria o efeito de retardar o fim do atual ciclo e aquecer a temperatura da Terra, como discutido abaixo.

Por isso, é natural questionarmos se as temperaturas extremas de calor que observamos nos últimos anos são causadas por ações humanas ou são variações naturais dos ciclos climáticos da Terra, que estariam fora do controle humano. Neste último caso, não haveria espaço para intervenções com o objetivo de evitar os ciclos naturais que geram climas extremos. As ações humanas deveriam se concentrar em políticas e tecnologias de adaptação às mudanças climáticas que inexoravelmente devem ocorrer a fim de mitigar os efeitos de temperaturas extremas que fazem parte da dinâmica natural da Terra.

Do ponto de vista puramente estatístico, observando apenas a série histórica de temperatura dos últimos 140 anos, é impossível afirmar que o aquecimento recente tem ou não relação com ações humanas. Considerando que 140 anos é um período muito curto em relação à história da Terra ou mesmo humana, é prematuro concluir apenas com dados limitados de temperatura que esse aquecimento recente é uma anomalia em relação ao observado em outros ciclos de temperatura mais elevadas na Terra. No entanto, há outros fatos relevantes que precisam ser levados em consideração de forma objetiva nesta discussão.

Concomitantemente com a elevação da temperatura nos últimos 100 anos, observou-se um aumento contínuo dos níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. A quantidade atual de emissão de CO2 na atmosfera é bem mais elevada do que a capacidade de absorção natural do ecossistema, que tem diminuído ao longo do tempo com o desmatamento. A emissão desse gás aumentou significativamente a partir da Segunda Revolução Industrial e o principal fator de emissão é a queima de combustíveis fósseis.

De acordo com os cientistas, a maior concentração de CO2 na atmosfera aumenta a temperatura da Terra. O primeiro cientista a propor esta teoria, denominada de gases de efeito estufa, foi o químico sueco Svante Arrhenius em 1896. A ideia básica de Arrhneius, prêmio Nobel da química em 1903, é que a maior concentração de CO2 na atmosfera absorve radiações que são emitidas pela superfície terrestre. Isso impede a perda de calor para o espaço, mantendo a Terra mais aquecida. A teoria foi refinada, testada de várias formas e confirmada por outros cientistas, além de ser ratificada por diversas organizações científicas internacionais.

Segundo minhas conversas com eminentes pesquisadores na Universidade de Cambridge e outras instituições, com pessoas de diferentes áreas e idades, inclusive cientistas aposentados e sem interesse no status quo do jogo de publicações em periódicos especializados, todos concordam com a base científica desta teoria. É possível inclusive afirmar que entre os cientistas há um consenso de que a maior concentração de CO2 na atmosfera tende a aquecer nosso planeta. O consenso é semelhante ao observado em economia de que a demanda de um bem está inversamente relacionada com seu preço. Sempre podemos pegar (encontrar) evidências pontuais para refutar uma teoria.

Outros indícios corroboram um fenômeno anormal no aquecimento atual. Ao contrário de outras ocasiões, o aquecimento atual é um fenômeno que acontece em todas as partes do globo. Além disso, investigações sobre a órbita da Terra indicam que os últimos anos deveriam ter sido anos mais frios e não mais quentes. Pelo seu ciclo natural, a Terra deveria ter recentemente esfriado e não aquecido.

Onde existe incerteza é na intensidade dos efeitos da maior concentração de CO2 na atmosfera sobre a temperatura da Terra, elevação dos oceanos e impactos sobre as zonas costeiras e ecossistemas. As estimativas, por exemplo, do aumento da temperatura média terrestre variam de 1,65 até 5,2 graus Celsius.

Em resumo, sem dúvida a mudança climática é também um fenômeno natural. Porém o efeito dos gases estufas na atmosfera, emitidos a partir do uso de combustíveis fósseis e em conjunto com o desflorestamento, tem interferido no ciclo natural do clima e aquecido o globo em relação à sua tendência anterior. É necessário e prudente pensarmos em intervenções que possam evitar riscos existenciais de ecossistemas e que assegurem o nosso bem-estar e das futuras gerações, além de mitigar efeitos de climas extremos. Em artigos futuros discutirei políticas e ações para enfrentarmos os problemas relacionados com as mudanças climáticas.

 

Tiago Cavalcanti é economista, professor da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.