O globo, n. 31315, 03/05/2019. Economia, p. 17

 

Entrevista - Rodrigo Aguiar: ‘É fundamental que a mudança seja gradual’

Rodrigo Aguiar

Luciana Casemiro

03/05/2019

 

 

Para Rodrigo Aguiar, diretor da ANS, o modelo atual, de remuneração por serviço, pode não ser o mais vantajoso. Ele defende mudanças graduais.

Por que a ANS lançou uma cartilha de modelos de remuneração de fornecedores pelas operadoras?

A proposta é induzir o mercado de planos de saúde a adotar modelos inovadores de remuneração, que vinculem o pagamento dos serviços prestados à qualidade do cuidado e ao valor agregado à saúde dos beneficiários. O modelo fee for service (remuneração por serviço) pode levar à competição por clientes e à realização de procedimentos nem sempre necessários, sem avaliação dos resultados em saúde.

Há relação entre modelo de pagamento e assistência?

A mudança do modelo de remuneração contribui para a sustentabilidade do setor. Mas a discussão sobre a implementação de modelos alternativos de pagamento de prestadores e do cuidado em saúde está associada à busca pelo aumento da qualidade assistencial.

A compra de hospitais próprios pelas operadoras dá mais força às empresas para mudar o modelo de pagamento?

A opção pela verticalização ou não da rede depende do modelo de negócio e da modalidade da operadora, do nível de concorrência nas regiões onde atua e do grau de dispersão geográfica dos beneficiários. A mudança do modelo de pagamento independe das estratégias de estruturação da rede de prestadores de serviços de saúde (hospitais, clínicas e laboratórios). É fundamental que o novo modelo seja implementado

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Menos opções

Luciana Casemiro

Glauce Cavalcanti

03/05/2019

 

 

Novo modelo de gestão deve reduzir rede credenciada

Com a perda de 3,1 milhões de beneficiários desde o fim de 2014 e a alta de custos, as operadoras de saúde tiveram de rever seu modelo de negócios. A mudança passa pela assistência ao beneficiário, que se volta para a medicina preventiva, e pela forma de pagamento de fornecedores, que está deixando de ser feito por serviços. Na semana passada, a Amil, maior operadora do país, anunciou o descredenciamento de dez unidades da Rede D’Or São Luiz, entre Rio e São Paulo, por divergências no modelo de remuneração. O movimento, que surpreendeu consumidores, vem a reboque de aumento significativo de investimento dos grupos do setor em redes próprias de hospitais, laboratórios e ambulatórios. Na prática, dizem especialistas, isso pode levar a uma menor oferta de rede credenciada e a uma maior concentração de planos de saúde.

— Esse é um fenômeno visto no mundo inteiro. A tendência é a oferta de uma rede menor, mas mais articulada entre si, dentro da ótica de cuidado de saúde. E também de concentração da saúde suplementar. No Brasil, isso pode ser um pouco diferente no que diz respeito aos planos pela regionalização — diz uma fonte do setor que preferiu não se identificar.

A concentração já começou. O número de operadoras do setor caiu de 1.135, em 2008, para 745, em fevereiro deste ano,nummovimentovistocomo natural nesse mercado. A mudança no modelo de pagamento caminhava até agora, porém, a passos lentos. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 2018, apenas 4% dos pagamentos feitos por operadoras foram em modelos diferentes da remuneração por serviços.

—Há um trabalho de muita conversa entre operadora e prestadores de serviço. Tentamos um movimento coletivo, mas fomos convencidos de que as negociações bilaterais são mais produtivas. É um trabalho de desenvolvimento de confiança e transparência. O pagamento por procedimento não estimula eficiência — diz José Cechin, diretor-executivo da FenaSaúde, que reúne as maiores empresas do setor.

Foco em rede própria

Em 2010, lembra a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o Relatório Mundial sobre o Financiamento dos Sistemas de Saúde da OMS já apontava que usar modelos de pagamento alternativos ao de remuneração por serviços seria eficaz na redução de desperdícios e custos desnecessários.

Segundo fontes, a negociação entre Amil e Rede D’Or emperrou porque a operadora propõe remuneração por orçamento anual, com base no gasto do ano anterior, com um redutor.Jáogrupodehospitais defende remuneração por pacote de serviços.

—A Amil é o terceiro maior cliente da Rede D’Or. O descredenciamento de todos esses hospitais terá impacto. Trata-se de uma estratégia de verticalização da Amil —conta uma fonte.

Verticalização é como o setor explica a concentração do atendimento na rede própria de um grupo. A Amil conta hoje com uma rede hospitalar. E a Rede D’Or passou a vender, em parceria com uma seguradora, um plano criado a partir da gestão de sua carteira de funcionários. Procurada, a Amil não comentou. A Rede D’Or diz que as negociações com a operadora continuam.

Quando uma operadora inaugura um novo hospital, tem sido comum no setor o descredenciamento de unidades próximas, segundo fontes, reduzindo a rede credenciada.

No curto prazo, diz Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ampliação do número de hospitais próprios das operadoras pode ter um efeito de redução de preços dos planos, com o aumento do poder de negociação com as demais unidades da rede credenciada. A questão é o resultado de longo prazo. Com a concentração, no futuro, os preços podem subir. A maior preocupação, diz, é com a qualidade assistencial:

— Será necessário termos indicadores claros de qualidade e transparência para que se tenha certeza de que estão sendo adotadas as melhores práticas e não aquelas que oferecem o melhor custo.

Para Fernando Boigues, vice-presidente da Feherj, que reúne os hospitais do Estado do Rio, é preciso incluir os médicos na discussão:

—Aumentar a remuneração dos médicos pode ampliar a qualidade do atendimento e reduzir gastos com exames e internações. Em paralelo, o impasse entre Amil e Rede D’Or deixou os hospitais receosos. Temem o que pode ser feito com os pequenos.

A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) diz que já há diversos sistemas de pagamento de fornecedores implementados no setor.