O globo, n. 31315, 03/05/2019. Mundo, p. 22

 

Mais vulnerável

Janaína Figueiredo

03/05/2019

 

 

Maduro busca reforçar lealdade dos militares

A crise venezuelana entrou numa fase de absoluta incerteza, mas dentro dela existem duas situações bastante claras: o mundo militar e seu vínculo com o Palácio de Miraflores está em crise e a oposição cometeu um grave erro ao antecipar as ações previstas inicialmente para o dia 1º de maio. Analistas locais com contatos com as Forças Armadas asseguraram ao GLOBO que havia um plano negociado com integrantes da cúpula militar que foi por água abaixo no momento em que o presidente da Assembleia Nacional (AN), Juan Guaidó, decidiu antecipar a jogada.

Isso teria levado vários dos militares a recuarem, por sentirem que a operação não estava bem organizada e temerem que terminasse em fracasso. Paralelamente, as negociações entre opositores e militares desencadearam uma caça às bruxas dentro da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) e deixaram o presidente Nicolás Maduro extremamente vulnerável. Essa vulnerabilidade ficou evidente na madrugada de ontem, quando o presidente fez um pronunciamento ao país no Forte Tiuna, principal quartel militar da Venezuela, ao lado do ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, e diante de cerca de 4.500 militares. A palavra “lealdade” foi mencionada por ambos varias vezes e, para surpresa de muitos, Padrino praticamente apresentou Maduro aos soldados como o Comandante em Chefe da Fanb.

— Foi uma cena quase absurda, parecia que Maduro tinha vencido uma eleição recentemente e devia ser apresentado aos militares — disse a jornalista Sebastiana Barráez, uma das que mais bem conhece e entende o que acontece nos quartéis venezuelanos.

É fato que a operação liderada por Guaidó e pelo presidente do partido Vontade Popular (VP), Leopoldo López — até terça passada sob regime de prisão domiciliar e agora refugiado na Embaixada da Espanha —, não deu certo. A única boa noticia para os opositores é que López tirou as tornozeleiras e saiu de casa. Mas continua sendo perseguido, agora com nova ordem de prisão, e sem poder circular. De acordo com o analista Javier Mayorca, consultor em temas de defesa e militares, a libertação de López explica em grande medida o que aconteceu na terça-feira.

— Tudo mudou quando chegou uma ordem escrita pelo agora ex-diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), o general de divisão Manuel Ricardo Cristopher Figuera, para que López fosse liberado às 4h da madrugada. Era naquele momento ou nunca e, por isso, Guaidó alterou os planos —explicou Mayorca.

"Erro caro à oposição"

A decisão do presidente da AN, ampliou o analista, provocou profunda irritação entre alguns militares que, segundo ele, “sentiram que a coisa não estava bem organizada e desistiram de participar”.

— Esse erro vai custar caro, porque agora a oposição, por dar total prioridade à saída de López, deverá recompor essa negociação, se é que isso será possível —questiona o analista.

Essa negociação, confirmaram outras fontes, também envolveu o governo americano e militares de alto escalão da Fanb, entre eles o general Rafael Hernández Dala, chefe da segurança de Maduro. Ontem, Dala era um dos que estavam ao lado do presidente no evento de Forte Tiuna. E foi um dos que ouviram o ministro da Defesa afirmar que o governo será implacável com traidores.

— Iremos contra todo aquele desleal que atente contra nossos princípios. Comandante em chefe, conte com nossa lealdade... não aceitamos de forma alguma que nos dirijam estrangeiros de fora —assegurou Padrino, também mencionado em algumas especulações sobre as agora fracassadas negociações com a oposição e a Casa Branca.

Em palavras de uma dirigente de peso dentro da oposição, “Maduro está agora nadando numa piscina cheia de tubarões e com uma ferida aberta. É apenas questão de tempo. Ou ele morrerá pela ferida ou será devorado”. Essa é a expectativa dos opositores: que as fissuras cada vez mais evidentes dentro da Fanb, embora ainda não tenham levado a uma ruptura definitiva com Maduro, acabem, com o tempo, se consolidando e permitindo uma mudança política.

—Na Guarda Nacional Bolivariana (GNB) a insatisfação é profunda. No Sebin, claramente também. O problema, que poucos entendem, é que os militares venezuelanos estão há 20 anos sendo treinados para serem leais, e não é fácil desmontar isso —ponderou Mayorca.

Um dos cenários que o analista considera possíveis é que, diante da falta de confiança dos militares em relaçãoà oposição e, sobretudo, ao partido Vontade Popular (VP) de López e Guaidó, “acabe ocorrendo um golpe mais truculento”.

— Hoje não vejo os militares entregando o poder a López e Guaidó. Vejo, sim, os militares, que estão fartos de Maduro, tirando o presidente e transferindo o poder a algum chefe da Fanb — assegurou Mayorca.

Maduro só dorme no forte

Uma fonte opositora assegurou que os supostos traidores de Maduro pediram, até o últimominuto, garanti aspara eles e suas família seque as garantias foram dadas. Umadas teorias defendidas por dirigentes da equipe de Guaidó é de que a pressão dos governos da Rússia e de Cuba foi mais forte e acabou boicotando oques e espera vaque fosse a jogada final e definitiva do presidente da AN. Entre opositores, nega-se que antecipara a operação para conseguira liberação de Ló pez tenhas id ou merro e, muito menos, que explique o recuo dos militares.

Há varias semanas, Maduro dorme no Forte Tiuna, único lugar onde se sente seguro, apesar de estar rodeado de militares e viver coma dúvida sobre quem são os traidores de hoje e os que poderiam ser os de amanhã.